Capítulos (3 de 23) 02 May, 2020
Red: 004
De todos os assassinos da AAA, minha relação com Tetsu era a mais distante. Muito por conta da forma arrogante com que ele agia em relação ao meu mestre. Eles tinham uma espécie de rivalidade dentro da Associação e eram como o polo norte e sul. Ou melhor, Tetsu era quem tinha essa rivalidade em mente. Meu mestre era bastante tranquilo quanto essa competição pessoal que seu companheiro insistia em oficializar. E, embora exista uma diferença de idade e experiência, Tetsu nunca estremeceu ou hesitou diante de meu mestre.
O guri tinha coragem.
Mas também não é como se ele não fosse capaz.
Ele era um prodígio raro, assim como Yuna.
Conhecido pelos adeptos do sobrenatural como o Assassino Intocável, foi o único dos assassinos encontrados e treinados pela própria chefe, e o único a ter um título antes mesmo de um cargo. Ele entrou para a Elite aos dez anos de idade e começou com operações simples de assalto. Seu objetivo nunca era matar alguém, mas ele sempre deixava vítimas em suas missões e nunca foi reconhecido ou sequer voltou ferido. Desde o início, ele fez jus ao título de sua lenda.
A lenda do Assassino Intocável.
Não demorou muito para que rumores e mais rumores surgissem na internet sobre o guri misteriosos assassinatos meticulosos e sem rastros ou suspeitos. O guri se tornou o “franco-atirador” da AAA. Quando entrei para a Associação, ele estava com seus quinze anos e já era, junto de meu mestre, um recurso de emergência da Elite. Se houvesse um alvo distante e que precisasse ser aniquilado sem saber o porquê, eram as correntes de Tetsu Tetsuya que eram soltas.
O guri chegou a ter um relacionamento com a guria. Na época, ela tinha quinze anos e ele dezessete. Ela ainda não havia entrado para a Elite como Assassina de Youkais e ele era encarregado de treiná-la em diversas artes marciais. Não existia nenhum sentimento nesse relacionamento. Se posso opinar, eu diria que eles se odeiam. Eles só ficaram juntos para suprir as necessidades sexuais um do outro. Mas, meus instintos caninos dizem que o Assassino Intocável com o tempo foi encantado pela Assassina de Youkais. E não estou dizendo que ele foi pego pela beleza e graciosidade da guria. Ele também é um hanyou e as reações que Yuna causa não surtem efeito nele. Porém, acho que Tetsu acabou sendo envolvido pelo carisma e personalidade da guria.
O mais curioso mesmo, foi o que Yuna viu nele para lhe entregar sua pureza...
Tsc, pureza.
Esqueci que estou me referindo a Yuna Nate.
Não duvido nada que, movida pela curiosidade e influenciada pelos vídeos da internet, a guria o manipulou para ter sua pureza tomada, só para conhecer a sensação.
Eles ficaram uns meses se encontrando, então a sensação deve ter sido boa.
Bem, parabéns aos envolvidos, e sorte do manipulado, mas a vida sexual de dois adolescentes não é o foco aqui.
Já a relação deles como pessoas...
— É realmente ele, seu pamonha.
— Eu já disse, meu faro não falha, guria.
Era peculiar, mas o local para onde o cheiro de Tetsu nos levou era fechado e vazio. Especificamente, o lugar era o Ginásio Memorial de Saitama, e justamente por isso que era peculiar. O Assassino Intocável, desaparecido até então, surgir solitário em um ginásio vazio na madrugada, era bastante intrigante para meus sentidos caninos.
— Ele está... esquisito...
A guria disse “esquisito”, mas não era a melhor definição se fossemos considerar uma pessoa comum. Porém, se tratando de Tetsu Tetsuya, usar uma máscara na metade inferior do rosto era algo tão inacreditável quanto inédito. E como no Japão algumas pessoas costumam andar com essas máscaras, nós não nos surpreendemos. Por outro lado, era esquisito ver o indivíduo em questão usando uma.
Tenho quase certeza que um hanyou é bastante resistente a doenças transmitidas pelo ar.
— Ei, seu pamonha, está na hora de voltarmos. Tire essa coisa do rosto e nos teletransporte de volta para a AAA.
Ele não respondeu.
Se manteve imóvel do outro lado da quadra, somente nos encarando com seus olhos vermelhos, como se tingidos por sangue.
— Ei, guri, não está escutando, é? Eu estou encarregado de levá-lo de volta, e como um shikigami, estou preso a essa ordem até que meu mestre esteja satisfeito. Não me faça arrastá-lo à força. Se for o caso, não vou hesitar em deixar a guria aqui e te levar com meus dentes em sua perna.
— Hã, e eu volto sozinha?
— Você nem deveria estar aqui, para começar.
E o assassino não me respondeu.
Continuou parado e nos encarando. Com aquela aparência atual, chegava a ser intimidador. Na verdade, de certo modo, era bastante intimidador. Afinal, aquele par de rubis era daquele conhecido como o Assassino Intocável. Mas, na situação em questão, ia além disso. Depois da máscara, suas roupas estavam rasgadas, como se tivesse sobrevivido a um embate pela vida, assim como seus cabelos loiros, que geralmente pareciam com as costas de um porco-espinho, agora lembravam uma série de galhos quebrados.
— Está bem. — Yuna suspirou.
— O que fará?
Ela desceu das minhas costas e libertou seus passos decididos na direção de Tetsu, parando ao centro do ginásio. A guria posicionou as mãos na cintura. Era a posição de quem iria iniciar uma discussão de relacionamento.
— Escuta, eu não sei o que fizeram com você e também não me importo. Você se enfiou atrás de mim e acabou sendo sequestrado, só por isso achei que seria minha responsabilidade trazê-lo de volta. Já tem alguns dias que você está esquisito. Desde quando você se preocupa com o que eu faço ou a que horas eu saio e chego? E não venha me dizer que é por conta do seu pai. Você me seguiu porque estava preocupado comigo e isso me irrita profundamente. — Confirmando suas palavras, os dedos da guria pressionaram inconscientemente sua cintura, enquanto ela falava. — Qual é o seu problema, seu pamonha? Você acha que eu preciso de ajuda? Acha que preciso que você se importe comigo, é?
Ele insistiu em não dar nenhuma resposta.
— Pois pare de teimosia e responda algo!
Após a guria elevar a voz para o Assassino Intocável, ela obteve uma forma de resposta. Não verbal, e sim, física. Normalmente, em espaços menores, Tetsu conseguia ser mais imprevisível com sua habilidade de teletransporte, o que superou até mesmo o tempo de reação sobrenatural de Yuna. O assassino mal havia sumido de seu ponto anterior e já se encontrava tenebroso a centímetros da Assassina de Youkais. Ela foi golpeada em cheio com um chute reto em seu plexo solar, que a lançou para trás até a extremidade da quadra.
A guria se estatelou no piso.
Com um tossido, sangue fresco saltou de sua boca.
— O que pensa que está fazendo?! — Eu rosnei para Tetsu.
E ele não respondeu.
Droga, algo de errado não estava certo ali. Como um lobo, líder de alcateia, e também como inugami e um bom shikigami, minha missão se tornou algo mais complicado do que levar o guri de volta para a AAA. Dada as circunstâncias, eu teria de vencê-lo e levá-lo nos dentes para a Associação. E a parte complicada era: como se vence o Assassino Intocável?
Mesmo naquele estado deplorável, Tetsu parecia estar em plenas condições de combate. Sua maior arma é o teletransporte, mas fora isso, ele ainda tem as capacidades sobrenaturais de um hanyou e a maestria impecável em artes marciais. Até mesmo contra mim, ele poderia resolver o conflito com poucos movimentos.
Vou ter de agir como a guria. Preciso me antecipar as decisões dele e armar uma contramedida que o deixe inconsciente de uma vez. Se eu exagerar, posso acabar o matando. Nesse caso, o melhor é usar minha manipulação sonora até que ele desmaie. Minha esperança é que a guria levante com uma ideia melhor e resolva a situação. Mas também não é como se eu estivesse contando com isso. Afinal, a missão é minha.
Assim que decidi o que iria fazer, tomei a iniciativa e me movi na direção de Tetsu. Foi em um instante que chequei até ele, mas para o Assassino Intocável as questões de tempo e espaço são um pequeno detalhe. A princípio, minha intenção era acertá-lo com uma cabeçada no abdômen. No entanto, não foi a ele quem acabei acertando. Mais rápido que um piscar de olhos, o corpo de Tetsu foi trocado pelo de Yuna.
— Hã?
Não existia tempo para eu parar ou para a guria se esquivar. Era uma colisão inevitável. Em minha tentativa falha de evitar o impacto, acabei virando um pouco a cabeça e tirei minhas patas do chão, como se quisesse saltar para o lado. Meu focinho colidiu com os seios da guria, mas do mesmo jeito fomos lançados juntos para o chão.
— Só piorou as coisas, seu pamonha. — Ela ergueu o tronco e sentada ajeitou o sutiã.
— Queria que eu acertasse onde foi golpeada anteriormente, é?!
— Se quisesse deitar nos meus peitos, era só ter feito uma carinha de cachorro com fome.
— Isso soa bastante esquisito!
Como se fechando a caixa de diálogo, Yuna terminou de se levantar e alongou seus braços como se estivesse se espreguiçando. E, estatelado ao piso, a visão que eu estava tendo das costas da guria era um pouco delicada, fator crucial para me lembrar que eu deveria me pôr de pé, também.
— Você precisa empinar a bunda ao se alongar?
— Então você notou, hein?
— E você fez de propósito?!
Com os olhos fixos no Assassino Intocável, a guria continuou se alongando. Pelo senso de humor contrário as leis vigentes em Saitama, ela parecia estar regenerada do golpe que sofrera.
— Você pode não saber, Ulim, mas meu corpo está mais em forma do que o de uma atleta olímpica.
— Agradeça a sua genética, você não é humana.
— Mas meu corpo é de uma.
— Escuta, não é querendo ser chato, só que à nossa frente está o objetivo de minha missão. Você não tem nenhum plano?
— Ele parece inofensivo.
— Quê? Você sabe que foi brutalmente atacada pelo mesmo, não sabe?
— Hmph, eu estava testando ele. O verdadeiro embate começa agora.
E de súbito a guria avançou. Não, não era ela em si. De seu corpo uma outra Yuna surgiu, como se sua alma saltasse da carapaça em ataque. Era um clone perfeito da guria que já estava diante do Assassino Intocável.
Eu pensei que tinha entendido o plano da guria. Usar um clone para forçar o teletransporte de Tetsu em um contra-ataque a original. E o que se sucedeu foi, em partes, exatamente o que meu cérebro canino calculava. A parte que não imaginei era de que o clone era falso. Ou melhor, o clone era a original, e a original era o clone.
Quando o Assassino Intocável apareceu em um salto, desenhando um arco no ar com sua perna em um chute, ele foi tão pego de surpresa quanto eu. Sua canela rasgou o corpo do clone como uma espada na altura do peito, e a neve em que ele foi desfeito, revestiu toda perna de Tetsu Tetsuya, a congelando.
O guri tocou os pés no chão, cambaleando para manter o equilíbrio. Ele olhou por cima do ombro, para Yuna.
— É decepcionante. Realmente não acredito que você caiu nessa. Além de deixar de falar, também deixou de pensar, foi?
À provocação da guria, Tetsu estremeceu, parecendo que iria realizar um movimento. Um teletransporte. Mas algo o impediu disso. Algo o impedia de realizar qualquer movimentação.
— Não achou que eu iria só imobilizar sua perna, achou?
Assim que o pé congelado tocou o piso, o gelo se enraizou no solo, prendendo-o ao chão e ao resto do ginásio. Sabendo das capacidades místicas do Assassino Intocável, era possível que ele realizasse seu teletransporte mesmo conectado à toda a estrutura ginasial. Contudo, na situação que ele se encontrava, com uma perna fundida ao piso, dependendo de como ele fizesse seu deslocamento de espaço e tempo, acabaria decepando sua perna congelada.
Dessa vez, a guria contou com a falta de raciocínio de Tetsu e se baseou no extremo de suas habilidades para colocá-lo em uma armadilha que tem como matéria prima seus próprios poderes. Sendo assim, Yuna riscou da lista a maior arma do guri.
Isso em minha missão.
— Agora, Tetsu, seja um bom menino e vamos conversar. — Ela se aproximou dele. — Diga, o que fizeram com você?
Como esperávamos, ele não respondeu.
— Onde quer chegar com essa pergunta, guria?
— Não é óbvio? Tetsu não está agindo naturalmente, tanto socialmente do que racionalmente. Se for parar para analisar, ele está agindo como um Berserker.
— Hmm, vendo por aí... mas o que está sugerindo?
— Eu acho que ele está sendo controlado. Controlado mentalmente, que nem o Aiolia de Leão.
— E seria isso possível?
— Claro, Império das Pulgas. Como ele foi sequestrado pelo Tengu que estava com o escudo Kagami, ele pode ter usado a magia do escudo para controlá-lo e usá-lo para seus objetivos. Talvez tenha sido aquele grupo, NIP. Originalmente, eram eles quem estavam atrás do Kagami, ressuscitando o Obake e o Tengu para consegui-lo. É possível que Tetsu tenha sido levado até eles, junto do Kagami. De qualquer forma, os meios levam ao mesmo fim, onde nosso companheiro é controlado mentalmente pelo escudo mágico. Aquele detetive disse algo sobre um cara de máscara que enfrentou Suny mais cedo. É quase certeza que ele e Tetsu são o mesmo, e se o misterioso de máscara está envolvido com esse NIP, é praticamente certo que esse grupo usou o Kagami para controlá-lo.
— Seu raciocínio faz sentido, guria, e não esperava menos de você. Mas, por que está tão certa sobre o controle mental?
— Essa é minha única certeza aqui, Ulim, e a resposta é meio besta. Tetsu nunca me atacaria da maneira que me atacou. Para ser sincera, talvez Tetsu não me atacaria mesmo se eu o atacasse. Uma forma de controle mental seria a única maneira dele agir daquele jeito contra mim.
— Hmm, então pode ser isso. O guri está sendo controlado. E agora vem a parte importante: como vamos libertá-lo desse controle mental?
E então um novo cheiro chegou em minhas narinas.
Um novo alguém estava dentro daquele ginásio.
— Bravo, bravo. — Junto das congratulações, o bater de palmas veio da arquibancada. A voz era familiar, assim como o odor. Era um cheiro e som que havia experimentado não há muito tempo.
— Eu esperava nunca mais ver seu rosto — comentou Yuna.
A quem ela dirigiu a palavra, não era nenhum estranho. Pelo menos não em um sentido profundo da palavra “estranho”. O Detetive Doz estava sentado na arquibancada do ginásio, comemorando como se terminasse de assistir a uma ótima peça de teatro.
Para meus olhos caninos, isso era considerado aceitável. Eu não sabia se aquele homem tinha todas suas funções mentais operantes da maneira correta, então, decidi me abster de julgamentos ao que poderia ser um dano cerebral.
Já a guria não pensava da mesma maneira.
— O que um stalker como você faz aqui? Não tem nada mais para fazer, como arrastar crianças para uma van?
— O que faço aqui? Ah, eu vim atrás dele. Mas, além disso, vim declarar meu amor por você, mocinha.
— Quê?! Afaste-se de mim, seu pedófilo!
— Eu não sou pedófilo! Você está entendendo tudo errado!
— Não tenho interesse por homens com mais de cinco anos de diferença, dispenso.
— Não é sobre isso que vim falar aqui!
— Não insista, você não faz o meu tipo.
— Só estou tentando mudar de assunto!
O detetive se cansou de tomar as rédeas do diálogo, e a expressão de satisfação no rosto de Yuna era inegável.
Embora Doz pareça ser um humano comum e um personagem genérico, algo me intrigava além das suas habilidades que mostrou na casa abandonada. Era algo que também estava além de meus conhecimentos. Como aquele homem chegou até nós tão rápido?
Ele não se aproximou em alta velocidade.
Ele simplesmente surgiu.
De repente, estava lá.
— Pois bem. — O detetive se ergueu e começou a descer da arquibancada. — O motivo de minha presença é o mesmo de antes.
— Apertar peitos por um preço acessível?
— N-Não, não. Eu vim lhe ajudar, minha Cavaleira. Vejo que precisa de ajuda para resolver este mistério.
— Você é tipo o Mestre dos Magos ou algum guru misterioso aleatório?
— Pode-se dizer que sim. Acima de tudo, eu estou investigando sobre o NIP e parece que você capturou o mascarado. Eu me encanto com a forma que você age de maneira estratégica para vencer inimigos mais poderosos. Nunca pensei que veria uma garota tão graciosa e astuta em um corpo só.
— Agradeço pela parte que me toca, seu pamonha, mas não sou do tipo que se derrete por adjetivos elegantes. Se tem alguma informação útil para esta situação, fale agora ou cale-se para sempre.
— Engraçado, pensei que não gostaria de minha ajuda.
— Engraçado digo eu. Foi você quem veio atrás de mim para me oferecer ajuda, primeiramente. E outra, não tente esse tipo de jogo psicológico de segunda linha contra mim, não vai conseguir me levar até seu caminhão de sorvete.
— Caminhão de sorvete?
— Isso. Onde você abusa de suas vítimas.
— Eu não tenho um caminhão desses!
— Sei, sei...
— ...
— Enfim, que tipo de ajuda é essa?
— Bem, um passarinho me contou que há dois meios para cortar o controle mental. Primeiro, o jeito fácil. Você só precisa chamar por Gungnir e tocar sua ponta no corpo desse mocinho. Então, o modo difícil. Para libertá-lo desse controle mental, ele deverá ser submetido a uma carga emocional muito grande, como a morte de alguém querido.
— Hmm... o mais curioso disso tudo é que um passarinho tinha todas essas informações. E como faz para se comunicar com aves?
— É... na verdade, é só uma forma de expressão...
— ...
— Guria, — eu entrei na conversa. — Eu acho mais viável acabarmos com isso logo. Chame pela lança e tente o processo.
— Não. A lança não é minha, não tenho porquê chamá-la.
— A lança é totalmente sua, minha Cavaleira, é só chamá-la. Ou talvez você esteja com medo.
— Tsc, já disse que truques psicológicos não vão funcionar, seu pamonha. — Ela cruzou os braços. — Eu até pensei em chamar essa coisa aí, lança, mas agora que disse isso vou manter meu orgulho até o fim. A moral da história para você, é que se deve esperar o tempo certo. Ou, de um jeito que você entenda, será necessário um maior esforço para tocar meus peitos.
— Suponho que consiga libertar esse pobre jovem do controle mental, gerando uma carga emocional muito grande nele.
— Ah, isso... — os ombros arrogantes da guria baixaram, mas ainda assim, ela respondeu convicta: — Bem, eu consigo, sim. Espere e verá.
— Guria, que tipo de ideia está passando em sua cabeça?
Ela se voltou para mim. Seus braços cruzados se libertaram, um indo para cintura e o outro erguendo a mão na altura de seu rosto, com o dedo indicador apontado para o alto de uma forma explicativa.
— Veja bem, meu caro Ulim, eu não gostaria de mostrar ao mundo minha maior arma secreta virada para baixo em modo invisível que ninguém viu, mas parece que não tenho escolha.
— Isso tudo é um nome?!
— Não se preocupe, Império das Pulgas, as chances de eu sair viva são de noventa e nove por cento, mas não posso garantir nada quanto a vocês dois.
— Isso só me preocupa mais!
— Cavaleira de Cristal, se o que pretende é causar dor nesse jovem, aviso antecipadamente que não irá funcionar.
— Não é sobre causar dor este mistério, e eu gostaria que parasse de me chamar com esse nome de franquia. Tetsu está com os movimentos e decisões lentos demais, muito fora do seu comum. Para mim, é como se ele estivesse em uma briga interna com a magia que o está controlando. E, infelizmente, eu sei o motivo disso.
— Qual seria?
— Como já disse, Tetsu nunca iria me atacar daquela forma tão gratuita. Isso porque ele se apaixonou por mim.
E assim, meus instintos caninos estavam corretos. Tetsu Tetsuya, conhecido como o Assassino Intocável, tinha sido encantado pelo carisma e personalidade da Assassina de Youkais. Pensando bem, talvez por outras coisas também. Eles tiveram uma espécie de relacionamento sério e coisas sérias aconteceram. Mas espere, como senpai de ambos, eu não deveria repreendê-los de alguma maneira?
Não, acho que devo só ignorar.
— Hmm, devo dizer que isso é não muito difícil — comentou o detetive. — Qualquer um cairia em seus encantos.
— Não é tão simples no caso dele. Não é como se ele gostasse de mim. Ele me odeia, mas adora o meu gosto, como alguém que está tentando parar de fumar.
— Sei. Para ele você é só um meio para se satisfazer, entendi.
— É mútuo. Eu quem comecei com essa ideia, ele acabou se apegando.
— Achei que gostasse dos homens aos seus pés, mocinha.
— No fundo, eu prefiro mesmo ficar solitária. Acho que é a melhor maneira de lidar com o mundo à minha volta.
— Meio triste.
Nesse ponto, eu não poderia discordar do comentário do detetive. Desde que cheguei na AAA, Yuna sempre foi bastante reservada, mesmo que sua personalidade em sociedade seja bastante extrovertida, a realidade é que isso é só uma das peças de seu pragmatismo. Pode-se dizer que a guria é pragmaticamente extrovertida. Na maior parte do tempo, fora das reuniões, missões e treinos, ela permanecia em seu quarto ou acabava saindo sozinha pelas ruas sinuosas.
Para mim, é como se ela fugisse de possíveis laços emocionais para que sua mente continuasse funcionando como uma máquina. Por outro lado, a guria sempre foi bastante humana, até em situações que a exigissem ser a Assassina de Youkais. No final, acho que ela só quer manter um equilíbrio entre humana e youkai.
— Enfim, estou curioso para saber sobre sua arma secreta, minha Cavaleira.
— Não pensem que ficarão só assistindo, seus pamonhas. Os dois, podem segurar os braços dele.
O detetive e eu trocamos olhares e, sem nenhuma pergunta, nos aproximamos de Tetsu, que permanecia imóvel, com a perna fundida em gelo ao ginásio. Ao ficarmos bem próximos, o guri moveu os braços para tentar nos golpear, mas sem poder se equilibrar ou se virar direito, não foi complicado apanhar os braços dele.
Eu abocanhei seu antebraço, enquanto Doz abraçou o braço por completo.
Ele ainda tinha uma perna livre, mas a guria, de frente para ele, pisou em seu pé com força, o firmando no chão. Com isso, também, os dois acabaram ficando com os corpos bem próximos.
— Será a última vez, está bem? Espero que aproveite até o último momento. — A mão da guria foi até a máscara que cobria metade do rosto do guri e então a puxou, sem gentileza, arrancando-a de sua face. — Se você me morder, eu te mato.
Eu já tinha em mente o que seria a maior arma secreta da guria, mas esperei quieto para ver com meus próprios olhos. Ela abraçou o pescoço de Tetsu, ainda pisando em seu pé, o que ajudou na pequena diferença de tamanho dos dóis. A isso, os olhos vermelhos do Assassino Intocável baixaram, mirando diretamente nos lábios rosados da Assassina de Youkais.
E assim, a guria sorriu.
Sorriu para mostrar que conseguiu o que queria do guri, um mero momento antes de seus lábios se encontrarem. E no segundo seguinte, o par de rubis se fechou, os ombros de Tetsu relaxaram. Foi mágico ver aquela lenda do assassinato, sendo totalmente tomado por algo tão banal.
Ou talvez, o beijo da guria seja uma técnica de controle mental.
Enquanto os dedos dela acariciavam a parte traseira da cabeça do guri, ele abriu levemente os olhos, como se para confirmar quem era, e depois afastou seus lábios, os descendo para o pescoço da guria como um vampiro, ao mesmo tempo que ela aproximou seu abraço, pressionando seus seios contra o corpo de Tetsu.
— Ei... — ela disse isso de maneira afável.
Ela estava ficando excitada?!
Sem mesmo procurar a resposta, instintivamente eu soltei o braço do guri e soltei um latido que o despertou do transe.
E lati mais duas vezes, só para confirmar.
O Assassino Intocável parou de beijar o pescoço da guria e moveu seus olhos vermelhos para mim, como se eu tivesse interrompido algo muito importante. Com a mão que libertei, ele pousou os dedos no abdômen de Yuna, e a afastou gentilmente.
A guria levou as mãos para as costas e desviou o olhar.
— Que merda é essa? — Tetsu se voltou para o detetive ao seu lado, que ainda segurava todo seu braço. — Quem é esse plebeu?
— Ah, sim... — e o braço finalmente foi liberto. — Eu sou Doz, Detetive Doz.
Como era costumeiro, o guri ignorou a apresentação do detetive de maneira desdenhosa e baixou o olhar para sua perna congelada. Depois, olhou ao seu redor.
— Parece que aqueles vira-latas conseguiram me controlar.
É, ele estava de volta.
Minha missão estava completa.
Foi necessário que um líder de alcateia narrasse uma cena de um beijo de dois guris que nem sequer se gostam de verdade. Pelo menos espero, que como primeira vez que narro esse tipo de fato, tenha sido agradável para vocês, mesmo vindo de um inugami.
— Bem, parece que podemos voltar, agora — disse Yuna, e a perna de Tetsu foi descongelada.
— Por que você me beijou?
— Hã, por quê? — Ela ficou desconfortável por um momento. — Tsc, foi só um procedimento padrão para quebrar o controle mental, nada além disso. Sou eu quem deveria estar perguntando como se rendeu tão fácil. Será que acabou se apaixonando por mim, seu pamonha?
— Hmph, jamais. Eu nunca criaria sentimentos por uma cadelinha como você.
— Pois é, ainda bem. Eu não gostaria que ninguém tão dependente criasse algum sentimento por mim.
— Cuidado com o que fala, vira-lata.
— Vamos voltar para casa, oxigenado — Ela ignorou o último comentário do guri. — Você é o objeto especial para diminuir meu tempo de castigo. E não fique animado com esse beijo, não. Espero que tenha escutado que seria o último. Em outras palavras, não vamos mais tomar banhos juntos.
— Pois bem — o detetive interrompeu o debate. — Não querendo ser o estraga prazer, mas acho que minha Cavaleira não poderá voltar para casa tão cedo.
— O que quer dizer?
— Eu recebi algumas mensagens, enquanto vocês estavam nessa discussão. — Doz retirou do bolso da blusa um celular. — Vejamos, vejamos... aqui. Parece que há um youkai bem grande em Ibaraki. Mais especificadamente, no Circuito de Tsukuba.
— Na pista de automobilismo? — Perguntei.
— Não na tradicional. Aparentemente ele foi invocado ali. Está no meio da pista oval.
— Não é uma missão oficial minha, então vou deixar para a próxima, — respondeu a guria.
— Tem certeza? Porque é um dos grandes... acho que deveria ser mais atenciosa. Até onde meu conhecimento me leva, Yamata no Orochi não é o youkai que só pôde ser morto por um deus?
A essa informação súbita, os olhos da guria brilharam de maneira misteriosa para o detetive.
— Hmph, boa sorte para os envolvidos, mas não tenho interesse nisso. — E o Assassino Intocável desapareceu com seu teletransporte.
Espero que tenha voltado para a Associação.