Capítulos (1 de 1) 19 Sep, 2020

Ele só está dormindo

Na infância sempre enchemos os nossos pais com perguntas, algumas são tão difíceis ou adultas que eles são obrigados a mentir para o nosso bem. E foi justamente isso que os meus pais fizeram quando eu perguntei por que o vovô estava deitado numa caixa de madeira preta, com algodão no nariz.

Eles disseram para mim que o vovô só estava tirando um cochilo e que logo iria acordar, mas, mesmo sendo apenas uma criança eu sabia que eles estavam mentindo, eu sabia que o vovô estava morto, pior, eu conseguia sentir isso.

A primeira vez que senti essa ‘’Sensação de morte’’ foi no funeral do meu avô, era como se várias mãos geladas tocassem o meu corpo ao mesmo tempo, tentando desesperadamente permanecer nesse mundo. Após esse evento bizarro, vários parentes começaram a morrer do dia para à noite em acidentes de trânsito, ataque do coração, bala perdida, entre outras casualidades.

Eu sempre fui uma pessoa bastante cética em relação ao sobrenatural, quando era criança nunca tive medo de abrir o guarda roupa à noite ou olhar de baixo da cama, mas essas mortes, elas me deixaram muito assustado, parecia que alguém tinha jogando uma praga na minha família.

Durante a minha adolescência houve outro evento bizarro. Um dia quando sai para tomar banho de riacho com o meu irmão mais velho, eu vi as mãos dos mortos tentando o levar para o fundo do rio, as mãos apertavam o seu coração fazendo ele perder as forças para nadar, se eu não tivesse agido rápido e tirado o meu irmão de lá ele teria morrido.

E foi aí, quando eu estava sentado na beira do rio que a própria morte surgiu na minha frente. É impossível descrever como palavras o quão horripilante e bela era ela. A entidade ficou parada no ar me observando por um tempo até que do nada ela começou a falar, entretanto a sua voz era tão baixa que não conseguir ouvir nada.

Após esse evento a onda de mortes parou e aquela sensação horrível sumiu, desde então eu nunca presenciei um evento sobrenatural novamente. Eu nunca contei essas histórias para alguém resolvi deixa-las para seguir em frente normalmente com a minha vida, anos depois eu me casei e tive uma filha, que hoje tem 6 anos de idade.

Eu criei uma teoria a partir do encontro com a morte, de que talvez se eu salvasse mais vidas ela iria continuar esquecendo de mim, pois depois que salvei a vida do meu irmão no riacho ninguém próximo a mim morreu. E foi acredito nessa teoria que eu resolvi virar um médico, porém hoje vejo que ela estava errada.

Hoje, 20 anos depois do encontro com a morte, eu recebi a notícia de que o meu irmão morreu de ataque cardíaco, ele foi o primeiro da família a morrer nesses 20 anos.

Como toda criança da sua idade a minha filha é bastante curiosa e adora fazer perguntas, eu sempre tento responder todas até hoje não precisei mentir ou inventar uma desculpa para ela, porém isso foi até ela fazer a mesma pergunta que eu fiz ao meus pais no enterro do meu avô.

- Papai, o titio morreu?

Fiquei paralisado por alguns segundos pensando no que tinha acabado de ouvir.

- Não, não, não, ele só está dormindo, Alice.

- Ahn! Mas por que toda essa gente tá aqui pra ver ele dormindo?

- É por que... Eles estão vigiando o seu tio para que nenhum monstro o ataque durante o sono.

- Hm... Então eles estão tentando proteger o titio dessas mãos?

Meu coração gelou quando ela disse isso, minhas pernas fraquejaram e eu precisei sentar numa cadeira para não cair no chão. Não restava duvidas a minha filha havia herdado aquela maldita sensação. Depois disso fomos embora na mesma hora, minha esposa achou tudo muito estranho e pediu para que eu explica-se o que estava acontecendo, mas não tinha como eu explicar para ela que as mãos dos mortos estavam tocando a nossa filha e por isso precisaríamos ir embora, ela iria pensar que estou ficando maluco.

Chegando em casa eu me deparo com outra cena terrível, deitado na varanda estava um gato branco sem a orelha esquerda. A orelha dele parecia ter sido arrancada e por isso o lado esquerdo do seu rosto estava repleto de sangue seco.

- Ohhh! Um gatinho, mamãe, papai eu posso ficar com ele?

- De jeito nenhum – Disse minha esposa. - É um gato de rua ele deve estar cheio de doenças.

- Tire ele logo dali Daniel.

O gato parecia realmente muito mal, eu não poderia deixa-lo deitado ali ainda mais agora que minha filha despertou aquela sensação horrível, se esse gato morresse aqui aquelas mãos iriam toca-las novamente e eu não posso permite isso. Conforme eu me aproximava do gato um barulho se intensificava, um barulho de moscas voando, eu olhei ao redor e não encontrei sequer uma única mosca o que era estranho pois parecia que um enxame estava voando sobre mim.

Quando cheguei perto do gato eu descobri que o barulho das moscas, o barulho vinha dentro do ouvido esquerdo do animal, que estava repleto de moscas gordas e grandes do tamanho de um carrapato. Aquela cena quase me fez vomitar, porém consegui me controlar, tentei pegar o gato para tira-lo dali, mas acabei levando um arranhão no braço por isso, depois de me arranhar o gato saiu correndo para o mato e nunca mais o vi.

O arranhão não foi muito sério, coloquei um band-aid no machucado e fui logo dormir para tentar relaxar um pouco, mas foi o total oposto. Durante à noite aquele maldito gato branco veio até os meus sonhos, eu sonhei com ele se desfazendo em um enxame de moscas, que cobria todo o meu corpo e devorava lentamente a minha carne, enquanto pouco a pouco eu sucumbia a loucura por causa daquele maldito som de bater de asas.

Após esse pesadelo eu acordei, mas o som das asas batendo continuava.

- Ei! Barbara acorde, você tá ouvindo esse som?

- Hmmm! Som?

- É, o som de moscas voando, será que tem alguma coisa podre por aqui?

- Eu não tô ouvindo som nenhum, me deixa dormir, amanhã eu preciso acordar cedo.

Resolvi não incomodar mais a minha esposa e fui procurar o barulho, vasculhei todo o quarto e não encontrei nada, sai do quarto com o repelente de insetos em mãos e vasculhei a casa toda, porém não conseguia achar a origem daquele maldito som.

Aquele barulho estava começando a me deixar louco, então numa tentativa desesperada de acabar com aquilo eu borrifei o repelente de insetos no ar e surpreendentemente isso funcionou, o barulho enfim havia acabado a casa agora estava no mais pleno silêncio.

Resolvi então tomar um copo d’água antes de voltar a dormir, quando levei o copo a boca o barulho voltou, porém dessa vez eu sabia de onde ele vinha. Eu não consegui acreditar quando ouvi, parecia ser uma ilusão, parecia que eu ainda estava sonhando, o som das moscas voando vinha de dentro do meu próprio braço, quando apalpei o meu braço pude sentir elas voando por baixo da minha pele.

Borrifei o meu braço com o repelente de insetos, mas isso fez com que o barulho aumentasse e as moscas se mexessem mais ainda, desesperado, bati com a lata do repelente no braço e para o meu espanto não senti nada, bati outra vez e novamente não senti nada, continuei batendo loucamente, mas não sentia, meu braço parecia estar oco por dentro.

Tomado pela loucura fui até a cozinha peguei uma faca e abri o meu braço como se abre a barriga de um peixe, durante o processo nem uma única gota de sangue jorrou, apenas moscas saíram da brecha. Quando puxei a pele do meu braço para o lado pude ver que por dentro estava repleto de moscas azuis, que ao me verem assumiram a forma de um rosto que não via a anos, mas que nunca esqueci.

Com um sorriso, o rosto formado de moscas disse - Você pensou que eu tinha te esquecido, mas eu nunca me esqueço, cedo ou tarde todos terão que me ver.

Na manhã do outro dia, a pequena Alice é acordada pelo grito estridente de sua mãe, a garotinha larga o cacto de pelúcia e corre ao socorro de sua mãe, o motivo do grito estava deitado numa poça de sangue na cozinha, seu pai havia tirado a própria vida cortando o braço.

Entretanto, ver aquela cena brutal não deixou a pequena Alice assustada, a garotinha abraçou sua mãe e disse, com uma voz calma e um sorriso no rosto.

- Não se preocupe mamãe, o papai só está dormindo.

Fim. 

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