Capítulos (1 de 19) 30 Oct, 2020
Capítulo 15: Conversa de Pai e Filha
Para compensar o tempo perdido enfrentando a esfinge, resolvi correr durante à noite. Fui advertido pela minha filha de que isso era uma má ideia, pois o Caravan Palace não foi feito para viagens noturnas e rapidamente eu descobri o motivo.
O Caravan Palace foi criado para amenizar o calor escaldantes do deserto durante as viagens, porém à noite não faz calor, pelo contrário faz é frio pra caralho e é justamente esse o problema, o frio. Os ventos gélidos da noite misturados com o Caravan Palace criam um túnel de vento tão frio, que seria capaz de congelar até mesmo a alma de um gigante de gelo.
- Synth – Disse Leopoldo. – Você tá com frio?
- N-n-não, por- por q-q-que?
- Não precisa mentir, eu consigo ouvir o seu queixo tremendo daqui.
- Espera aí – Disse Joel. – Esse som de ‘’TracTracTrac’’ É o Synth?
- Papai eu disse que viajar à noite era uma má ideia, pare agora e vamos acampar aqui, o senhor não vai conseguir aguentar esse frio à noite inteira.
- Es-está tuuudo be-bem filhinha – Disse Synth se esforçando ao máximo para não gaguejar.
- O seu pa-papai aqui a-a-aguenta um vem-ventinho gelado na ca-cara, pode ficar tranquila.
- Tem certeza? – Disse Taelin, um pouco preocupada.
Synth respondeu dando um joinha, com a mão tremendo. Eu não podia parar agora, para mostrar pra minha filha o quão brabo é o pai dela, eu terei de aguentar essa tormenta gélida de peito aberto. E bem, por um bom tempo consegui resistir bravamente, porém, mesmo estando 100% Motivado, eu ainda sou um humano.
Pouco a pouco as minhas articulações congelaram até chegar ao ponto de eu não conseguir mais correr e cair no chão congelado. Leopoldo e os outros vieram logo em seguida pro chão.
- Ahh! Tá fraco das pernas, arrombado? – Disse Leopoldo, enquanto se levantava do chão.
- Synth você está bem? – Indagou Joelsun.
- ToTo ToTo ToTo ToTo ToTo ToTo ToTo TO BEM! – Gritou o aventureiro gago. Com um pouco de dificuldade Synth se vira e, ao verem o rosto do aventureiro Leopoldo e Joel dão um passo para trás, assustados. O que assustou o pobre esqueleto e o pobre sapinho foi o medonho sorriso congelado no rosto completamente pálido do aventureiro.
De repente o sorriso congelado sumiu dando lugar a uma expressão de pânico, enquanto Synth batia os dentes igual a um quebra-nozes louco.
- Pela santa lagoinha! – Disse Joel. – Desse jeito Synth vai morrer de frio!
- Pode deixar que esse problema eu resolvo rapidinho – Disse Taelin.
A arqueira pegou o crânio humano da sua cintura, na parte de trás havia um puxador de ferro para segurar o crânio, como se fosse um arco. E, igual um arco a arqueira puxou sua corda, que surgiu magicamente conforme ela lentamente afastava sua mão do crânio, ao soltar essa corda uma flecha de fogo negro saiu da boca do crânio e voou em direção a Synth.
O fogo negro da flecha consumiu completamente o aventureiro, que no momento que foi acertado por ela soltou um longo e agudo gemido. Leopoldo ficou tão aterrorizado com a abrupta cena de patricídio, que o seu queixo caiu no chão. Joel completamente atônito, olhava para Synth e Taelin quase que ao mesmo tempo, com os seus olhos esbugalhados e esticados ao máximo para as duas direções. O sapinho não sabia se deveria atacar Taelin primeiro, para que ela não o incendia-se também, ou se deveria tentar apagar o fogo para salvar o seu amigo.
A dúvida sobre qual decisão tomar estava deixando o pequeno anfíbio maluco, porém uma luz, ou melhor, um gemido iluminou a cabeça de Joelsun. O sapinho começou a jogar areia em Synth, pegando-a e jogando-a como se fosse bolas de neve, afim de dissipar o fogo negro que o consumia lentamente.
- Me ajude Leopoldo, vamos apagar esse fogo!
- C-certo!
A areia era jogada com tanta força que parecia que Joel e Leopoldo pretendiam apagar as chamas só com o impacto das rajadas de areia. De repente, Synth começou a gritar, mas dessa vez não por causa do fogo que cobria todo o seu corpo.
- Aiaiaiai! Para! Para com essa porra vocês dois, a areia dói caralho.
As rajadas de areia cessaram, Joel e Leopoldo trocam olhares, ambos completamente confusos.
- Mas que merda – Disse Synth, com a cabeça inclinada para a esquerda. – Acho que entrou areia no meu ouvido – Synth chacoalha a cabeça.
- Eh! Você não está pegando fogo? – Disse Joel, confuso.
- Hahaha! Não.
- Espera aí – Disse Taelin. – Vocês dois achavam mesmo que eu ateei fogo no meu pai para mata-lo?!
- E por qual outro motivo você toca fogo em alguém, se não pra fazer um bom churrasco?
Leopoldo parecia confuso e ao mesmo tempo revoltado com a pergunta sem sentido de Taelin.
- Não se preocupe Leopoldo hahaha! Eu não vou virar churrasco. Veja, se eu estivesse realmente pegando fogo a essa altura o deserto estaria impregnado com o cheiro da minha carne queimada, não acha?
Leopoldo e Joel rapidamente farejaram o ar para se certificarem, e de fato não havia cheiro de carne queimada. O barulho do vento entrando no nariz de Leopoldo é bastante semelhante a uma flauta entupida.
- Então... – Joel faz uma breve pausa para tentar formular uma pergunta na sua cabeça confusa e então prossegue - Você está pegando fogo, sem sentir o fogo queimar?
A pergunta soou mais confusa do que ele esperava.
- Beeeeem, é difícil de explicar com palavras, esse é o tipo de coisa que só sentido na pele pra entender, sabe?
Synth toca o peitoral do sapinho, com o seu dedo indicador – Experimente.
Como um vírus, as chamas negras que cobrem Synth rapidamente se espalharam por todo o torso de Joelsun. O sapinho dá um tapa na mão do aventureiro para impedir que o fogo continuasse a fluir. Em seguida, o girino desferiu uma sequência de tapas por todo o seu corpo, para apagar as chamas, que agora, começavam a se espalhar pelos seus braços e pernas.
Infelizmente os tapas não foram eficazes, o sapinho então viu-se obrigado a rolar na areia, numa tentativa desesperada de apagar as chamas negras. Joel continuo rolando e gritando pela areia até finalmente perceber que o fogo que o envolvia não estava o queimando.
- Até que é... Gostosinho – Disse Joel, confuso, olhando para o seu corpo incendiado.
Leopoldo põem a mão sobre ombro de Synth, rapidamente as chamas sobem pelo braço do esqueleto e incendiam o seu crânio.
- Maneiro! – Disse Leopoldo, empolgado como uma criança que acabou de ganhar um brinquedo novo.
- Você tá parecendo o cavaleiro fantasma agora.
- Eu nunca ouvir falar de um humano cuspidor de fogo que não queima – Disse Joel. – Esse crânio pertence a qual criatura?
- Isso é o crânio de um ‘’Demobobo Sorriso Frouxo’’ – Taelin abre o seu bestiário infantil e o folheia rapidamente até parar na página do demônio. Na página havia o desenho de um homem velho e gordo vestindo uma fantasia de demônio vermelho, incluindo os chifres e rabo de demônio, e um tridente também.
Os olhos do Demobobo são como um redemoinho de água negra, com uma caveira vermelha boiando bem no centro da tempestade. Seu sorriso é malicioso e assustador assim como deve ser o sorriso de um verdadeiro demônio, mas, por causa do traço infantil de Taelin, ele parece mais engraçado do que assustador.
- O Demobobo sorriso frouxo é um demônio que persegue e cospe fogo nas almas dos pecadores.
Taelin puxa a mandíbula do crânio para baixo, fazendo com que uma chama negra saia de dentro da boca do objeto, igual a um isqueiro. – Eles continuam cuspindo fogo mesmo após a morte, mas não se preocupem essas chamas negras consumiram apenas os pecadores.
- Engraçado – Disse Leopoldo. – Achei que ganancia fosse um pecado.
Synth gargalha enquanto procura algo na sua mochila – Posso ser um pecador Leopoldo, mas meu coração é pura bondade Hahaha! Ou já se esqueceu que eu derrotei a esfinge sem receber nada em troca.
- Porque nós o obrigamos – Disse Taelin, sorrindo.
- Nhá! O que importa é a intenção, não é?
Após vasculhar sua mochila mais um pouco, Synth finalmente encontra o que tanto buscava. Um globo de cristal, que ao ser quebrado liberou uma fogueira acessa no chão.
- Vamos descansar aqui por hoje, amanhã cedo continuamos – Disse Synth, sentado no chão com as pernas cruzadas.
- Parar? – Disse Joel, surpreso. – Pensei que iria continuar a correr, agora que encontramos uma forma de não sucumbir ao frio.
- Não dá pra usar os dois ao mesmo tempo – Disse Taelin. – Se fizermos isso as chamas negras iram queimar o Caravan Palace rapidamente.
- E nós não podemos queimar um feitiço tão valioso como esse – Synth esboça um largo sorriso malicioso. – Agora vamos comer. – O aventureiro pegou um pãozinho doce e começou a devora-lo.
À noite estava calma, não ouvimos nenhuma risada macabra de Saci safado ao longe. Joel como sempre brincava com a sua comida, ele pegava as moscas do pote, as jogava pra cima e tentava pega-las com a língua antes de caírem no chão. Resolvi chamar esse pequeno esporte de ‘’ Linguada fatal.’’ Até hoje nunca vi Joel perde um jogo.
Fazendo um contra ponto ao sapinho brincalhão. Leopoldo, de pernas cruzadas, bebia calmamente e muito elegantemente o seu leitinho quente. Totalmente despreocupado, ou pelo menos é isso que sua face deixava transparecer. A única pessoa que não parecia à vontade no acampamento, era a minha querida filhinha.
Taelin olhava fixamente para o horizonte coberto pelo manto negro da noite, ela parecia bastante preocupado com algo e Synth sabia exatamente o que era.
- Iai Filhinha – Disse Synth, sentando ao lado da arqueirinha. – Tá preocupa com Pablo e os outros?
Taelin meneou a cabeça – Bastante. Eu conheço bem o Pablo, aquele maldito cabeça dura. Tenho certeza que assim que o Steve conseguir se puser de pé, ele irá vim o mais rápido possível até nós.
- Ora! Disso eu não tenho dúvidas, o Pablo está perdidamente apaixonado por você e um homem apaixonado irá até o inferno pela sua amada. As vezes literalmente até ao inferno, como foi o meu caso.
- Preferia que não fosse desse jeito... Seria menos doloroso.
- Filhinha – Disse Synth, com uma voz calma e franca. - Você realmente não gosta do Pablo?
Ao percebe que Joel e Leopoldo estavam prestando atenção na conversa, Taellin abaixa a cabeça, envergonhada. Após um breve momento de silêncio, ainda com a cabeça baixa, ela responde à pergunta de seu pai.
- Eu amo ele...
Um sorriso espontâneo de alegria, igual ao que está sempre presente no rosto de Leopoldo, surge no rosto de Synth e Joel. Quando o sapinho abriu a sua boca para sorrir, uma mosca tentou fugir pelo cantinho do seu enorme beiço, porém, sem nem ao menos precisar olhar para direção onde estava a mosca, Joel rapidamente a puxou de volta, com sua língua voraz.
- Se você gosta dele – Disse Leopoldo, após tomar um gole do seu leitinho quente. – Então por que tá fazendo cu doce? Fale logo de uma vez.
- Eu não posso, por causa do meu sonho, eu não posso aceitar os sentimentos de Pablo.
- E que sonho seria esse, morrer sozinha?
- Claro que não! – Disse ela, irritada com a provocação de Leopoldo. Em seguida, ela pegou o bestiário novamente, dessa vez não mostrou nenhum desenho, mas sim a capa do bestiário.
A capa é laranja e por toda parte há desenhos de bocas e mandíbulas de várias espécies diferentes, pintadas de preto. Bem no centro, rodeado de caveiras fofinhas estava o título do livro, em palavras em forma de dentes disformes.
- ‘’Nhac! Nhac! Criaturinhas e Criaturonas que podem te devorar numa bocada.’’? – Disse Joel, curioso para saber mais.
- Isso mesmo – Disse Taelin, mordiscando o ar com as mãos, para dar mais ênfase ao nome do livro.
- Quando eu era criança, o meu querido papai me presentou com um bestiário de monstros e foi por causa desse livro, que minha paixão por desenhar nasceu – Synth esbanjou um largo sorriso de orgulho e dever comprido ao ouvir as palavras de Taelin, que rapidamente complementou sua frase, dizendo.
- E também foi por causa desse livrinho, que, por uma boa parte da minha infância eu fiquei completamente paranoica, com medo de colocar o pé pra fora da cama à noite e uma mão me puxar para debaixo dela, ou abrir o guarda-roupa e ser devorada numa mordida só pelo bicho-papão.
- Que belo pai – Disse Leopoldo, em tom de reprovação. Por estar de boca cheia, Joel se limitou a balançar a cabeça de um lado pro outro, com um olhar de desaprovação no rosto.
- Hahaha! Pera lá pessoal, eu fiz isso para o bem da minha filhinha, afinal eu não queria que ela fosse brincar na floresta e volta-se pra casa careca, por não saber como lidar com um ‘’Ladrão de cabelos’’.
- Eu sei disso papai – Taelin passa a mão no cabelo. – E agradeço muito.
- E Bem, esse é o meu sonho – Disse ela, segurando o livro. – Criar um bestiário infantil, repleto de desenhos fofinhos e descrições engraçadinhas das criaturas horripilantes, que permeiam esse mundo. Para ensinar e não traumatizar os baixinhos.
- Hm! Esse é um sonho bem bonitinho – Disse Leopoldo. – Mas como ele o impede de se catracar com o Pablo?
- Para completar o bestiário eu preciso viajar o mundo inteiro... Me apegar a ele só tornaria a despedida mais dolorosa.
- Ora essa! Então por que não ô convida para viajar com você? – Disse Joel. – Acredito que ele certamente aceitaria o convite.
- Eu não tenho dúvidas disso, Joel, mas eu não posso fazer esse convite... O Pablo é um homem do deserto, ele ama caçar tubarões, apostar corrida de camelo, comer teiú assado e jogar no jogo do bicho. Pedir para ele abandonar a vida que tanto ama, pra ficar comigo, seria muito egoísmo da minha parte...
De repente, Synth começou a gargalhar como se tivesse recordado uma memória muito engraçada.
- Hahaha Deixe-me te contar uma história, filhinha. Quando você nasceu, a sua mãe pediu para eu largar a vida de aventureiro de uma vez por todas, ela achava que já tinha passado da hora de eu me aposentar.
- E Bem, por mais que a minha sede por aventuras ainda fosse grande, o meu amor por Ayala era maior e sem dizer uma única palavra, eu atendi ao pedido dela.
- Entretanto, mesmo ao lado da mulher mais linda do mundo, a vida cotidiana era sem graça demais e estava me deixando deprimido, porém eu jamais me queixei ou deixei transparecer a minha infelicidade com aquela monotonia. E mesmo assim Ayala foi capaz de perceber os meus sentimentos.
- Ao ver que aquele estilo de vida estava me deixando triste, sua mãe permitiu que eu voltasse a me aventurar, desde que no final de cada aventura eu volta-se para os seus braços quentes.
- O que eu quero dizer com isso tudo é que, para o amor existir sacrifícios são necessários. Se o Pablo realmente está perdidamente apaixonado por você, ele irá sacrificar a sua vida maravilhosa para te acompanhar pelo mundo, mesmo que o convite para essa viagem jamais saia da sua boca.
- Hahaha! Você sempre me surpreende Synth, nunca imaginei que um aventureiro tão ganancioso e violento como você seria capaz de entender o amor.
- Até o pior dos homens sabe amar, meu caro Joelsun.
Dando um suspiro de deboche, Leopoldo diz – Hm! Então quer dizer que além de aventureiro e comedor de monstros, você também é coach de relacionamento?
- Hahaha! Eu sei de tudo um pouco, mas só sou realmente bom na arte de comer monstros, de preferência esqueletos.
- Não estou gostando do rumo dessa conversa – Disse Joel, assustado.
- Mas então como eu posso impedi-lo de tomar essa decisão? Que o fará infeliz... – Disse Taelin, aflita.
Bem direto ao ponto, Synth responde com uma única palavra – Conversando. – Uma resposta simples e curta, mas que foi capaz de espantar a pequena arqueirinha.
- Suprimi seus sentimentos não o livrar do sofrimento Filhinha, apenas conversando é que você vai resolver esse problema. Afinal de contas, essa é uma decisão que cabe aos dois decidirem juntos e não sozinho.
As palavras de Synth trouxeram clareza a mente confusa de Taelin, fazendo-a percebe como seu plano para proteger os sentimentos de Pablo era egoísta. A pequena arqueira entrou em desespero, sem saber qual seria a opção certa a se tomar da próxima vez que encontrasse o vaqueiro.
Synth põem a mão em seu ombro e diz – Não precisa pensar em tudo agora filhinha, deite-se e descanse um pouco, já conversamos demais por hoje.
- E vocês dois também podem ir dormir, eu vou ficar de vigia primeiro.
- Ainda não, eu ainda não terminei de comer.
- Mas você já comeu três potes de moscas – Disse Synth, assustado.
- Isso foi o tira gosto – Joelsun retira um gigantesco pedaço de pernil assado da mochila. – Esse é o prato principal.
- Comer demais à noite causa pesadelos – Disse Leopoldo.
- Nhac! Nhac! Não tem problema – O sapinho para de comer e sorrindo diz. - Eu devoro os pesadelos também.