Capítulos (3 de 23) 21 Nov, 2020

Green: 004

— Meu consagrado Ulim, o que foi?

Estamos de volta em minha memória canina. Como fui interrompido, da última vez, vou continuar exatamente de onde parei. Se você não se lembra, meu mestre, eu, e a antiga Assassina de Youkais estávamos em uma missão na invernal Rússia. Nosso objetivo ali era invadir a base militar escondida em meio a neve e acabar com os projetos genéticos que aquela organização estava dando vida naquele lugar.

De onde paramos, nós já estávamos dentro do complexo.

A Assassina e eu nos separamos de meu mestre, Mena.

Ela matou todos os alvos humanos ou não daquele lugar.

Minha parte nisso, foi somente localizar os alvos.

E assim, após terminar a sua chacina, a antiga Assassina de Youkais fixou seus olhos em mim.

A imagem era de uma jovem limpando uma katana ensanguentada, em meio de corpos e mais corpos humanos.

— Não está me ouvindo, inugami?

— Eu estou — respondi. — Só achei desnecessário o modo que tratou seus adversários.

— Desnecessário?

— Sim. Para ser sincero, desonesto é a melhor palavra. Deveria aprender a controlar essa sua empolgação, guria.

— Tsc, não suporto quando me chama assim, meu consagrado Ulim.

— Eu digo o mesmo para você.

A aura que emanava da antiga Assassina de Youkais preenchia toda aquela sala onde nos encontrávamos. Era uma vontade assassina tão grande que, quando me dei conta, eu já estava com minha guarda levantada. O desejo de matar de minha antiga companheira, já estava influenciando meu instinto canino a começar uma ofensiva.

— O que foi, meu consagrado Ulim, você parece estar tenso. Se o que quer é me atacar, pode tentar a sorte.

— Nós, da AAA, não devemos entrar em conflito um com o outro no meio de uma missão. E também, guria, eu sou mais rápido do que você. Suas chances seriam mínimas. Você é só uma humana, no final das contas.

— Eu aceito seu desafio.

— Então seu cérebro já derreteu. Eu nem precisaria sair do lugar para acabar com você. Somente um super latido meu é capaz de destruir um helicóptero. Você se transformaria em uma poça de carne.

— Hmph, você fala demais!

Brandindo sua espada para o lado, a Assassina avançou em minha direção com a real intenção de retirar minha vida. Os passos rápidos como os de um ninja a fizeram se aproximar com muita rapidez.

E eu não reagi.

Eu não precisava reagir.

Quando a lâmina de Ryuko desenhou um arco no ar, na altura de meu focinho, minha imagem simplesmente se desfez.

De repente, eu não estava mais ali.

Eu nunca estive ali.

Desde que a antiga Assassina de Youkais terminou de matar o último homem de toda aquela base militar, meu mestre, Mena, assumiu o controle da realidade ao redor dela. Não só o que ela via, como também o que ela escutava, sentia, cheirava. Tudo foi manipulado por meu mestre para enganar a Assassina.

Nunca sequer houve uma organização naquele complexo.

Os alvos que citei anteriormente eram bonecos de treinos plantados ali para auxiliar na manipulação de meu mestre.

Mas, até ela acabar com o último “homem” naquele lugar, eu também estava sendo enganado. Foi quando meu mestre apareceu e me levou para o canto da sala, para assistirmos as atitudes da antiga Assassina de Youkais.

E o veredito foi...

— Por que você matou os humanos, Kyoko?

Sim, esse era o seu nome. Kyoko. A mais enigmática de todos os membros da Elite e do resto da AAA. Uma jovem de cabelos negros e curtos, na altura das bochechas. E os olhos cinzas, como um par de nuvens antes de uma tempestade.

Só poderia ser ela, não?

A mulher misteriosa.

Mas, se realmente fosse, algo ainda não fazia sentido. Seu jeito de falar, seu jeito de lutar, seu modo de agir. Elas eram tão parecidas, ao mesmo tempo, tão diferentes. Isso intrigava meus pensamentos caninos.

Sendo assim, decidi compartilhá-los com a guria.

— Hmm, Kyoko, é?

— Sim.

— Que esquisito, seu pamonha, eu jurava que o nome dela era Assassina de Youkais.

— É claro que não é!

— Mas ela atendia quando a chamavam desse jeito.

— É porque era o cargo dela!

— Hmph, eu achei que eu era a única Assassina a ter nome e sobrenome.

— Pois não é.

— Então qual o sobrenome dela?

Hmm, verdade. Eu não me lembro dela ter um sobrenome.

Droga, ponto para guria.

— Oh, terminei.

— Deixe-me ver.

Durante nosso diálogo não muito compromissado e enquanto eu compartilhava meus pensamentos sobre Kyoko com a atual Assassina de Youkais, ela continuou cuidando de meu ferimento com o kit de primeiros socorros que seu clone tratou de buscar mais cedo, como vocês bem sabem.

Depois do contratempo com a mulher misteriosa, que não tínhamos certeza se era quem eu pensava ser, Yuna finalmente terminou meu curativo, e agora era só aguardar minha regeneração fazer seu trabalho sujo.

Pelo menos eu já conseguia esticar minhas quatro patas contra o chão, sem necessitar do “gesso” de gelo que a guria gerou anteriormente.

— Está uma gracinha, seu pamonha.

Eu ignorei aquele comentário que enfatizava minha aparência de forma inofensiva. Afinal, eu sou um lobo, líder de alcateia.

— Fez um ótimo trabalho, guria. Tenho de parabenizá-la. É a primeira vez que fez um?

— Hã, não. Eu fiz em um garotinho perdido que encontrei machucado uma vez. Ele estava perdido e eu o ajudei a encontrar sua mãe. Sendo específica, eu o levei até sua casa.

— É bom que tenha ajudado a criança. E fico surpreso por não ter a assustado.

— Hmph, o que quis dizer com isso, seu pamonha? Está tentando me insultar pelo caminho mais difícil, a minha aparência?

— Não, claro que não, guria. Você é a assassina mais fofa que já conheci.

— Eu não sou fofa. Eu sou adorável. Existe uma diferença, sabia?

— Por que eu deveria saber disso?!

— Uma garota adorável é uma garota fofa, mas com um corpo instigante. Nunca se esqueça disso, está bem? Rosto de criança, seios de adulta.

— Não polua meu conceito de adorável!

— Está bem, Império das Pulgas, só não fuja da verdade por muito tempo.

— Ei, do que você me chamou?!

— Oe?

— Não se faça de desentendida!

— É, o garotinho passa bem, sim.

Ela se fez de desentendida!

Tsc, aquela guria conseguia me tirar do sério.

Achei melhor desviar o rumo da conversa, e aproveitei para tirar uma dúvida recente.

— Escuta, Yuna, no meio do combate com a mulher misteriosa, você aderiu à arte marcial tailandesa, o muay thai. Onde aprendeu? Não me lembro de ter sido passado na Associação.

— E não, realmente não foi, Ulim. Eu aprendi sozinha.

— Sozinha?

— Isso. Eu e alguns vídeos na internet.

— Dominou uma arte marcial assistindo a vídeos na internet?

— Não apenas assistindo, seu pamonha. Eu pratiquei bastante. No começo, treinei os movimentos básicos dentro do meu quarto. Depois, com o passar do tempo, eu decidi entrar em uma competição clandestina.

— Você se expôs dessa maneira?!

— Não se preocupe, eu fiz um uniforme de heroína mascarada. Eles me chamavam de Aranha-Humana.

— Isso é meio plágio!

— Claro que não. Escute até o final. Eu me inscrevi nessa competição clandestina e venci todos os competidores, não dei chance para ninguém. Porém, quando fui receber meu pagamento, o dono da competição só me deu mil ienes e ficou com dois mil. Então, como estava disfarçada, não poderia usar meus poderes de gelo contra ele. A solução foi simples, eu soquei o nariz do cara e roubei seus dois mil ienes. Saí correndo e um senhor idoso de óculos e bigode segurou a porta do elevador para mim, e falou: Excelsior! E mais alguma coisa sobre grandes poderes e grandes responsabilidades.

— Era o Stan Lee?!

— Não sei ao certo. Eu estava com pressa, não reparei nos detalhes. Só me lembro de ter respondido com um aceno de cabeça.

— Certo, guria, e então? Você conseguiu fugir com o dinheiro?

— Claramente. Eu cheguei à rua e avistei um carro. Meu tio estava lá dentro.

— O Oni?! Ele não estava preso?!

— Devia estar de condicional. Eu estava com pressa, não reparei nos detalhes. Só me lembro de o ter retirado do veículo como em um jogo da franquia GTA.

— Mas você não sabe dirigir!

— Exatamente, seu pamonha. É por isso que a história acaba aí. Um excelente final aberto.

— Sem chance! Quero meu dinheiro de volta!

Tsc, não acredito que minhas orelhas caninas conseguiram absorver cada palavra desse projeto de desventura.

E no fim, fiquei sem saber onde ela praticou seu muay thai.

— Vamos, guria, agora fale sério. Onde você praticou?

— Está bem, está bem, se você insiste, vou lhe contar.

Minhas orelhas caninas mexeram como se fossem antenas de rádio em busca de um melhor sinal de áudio.

— Eu entrei para uma gangue. — Yuna disse, simplesmente.

— Uma gangue?

— Sim. Eu e mais três amigos. Nós nos vestíamos de branco e usávamos cartolas e bengalas. Saíamos por aí arrumando encrenca com pessoas aleatórias e outras gangues. Até que invadimos uma casa em uma área residencial, só que acabei escorregando no leite e a velhinha da casa chamou a polícia.

— E o que aconteceu?

— Eu fui presa e submetida a um experimento onde me fizeram ver vários filmes sem poder fechar os olhos.

— Isso é Laranja Mecânica!

— Droga, fui descoberta. Preciso melhorar minhas mentiras.

— Ainda precisa se esforçar muito para só “melhorar”!

Hmph, Yuna realmente não queria me dizer onde praticou sua nova arte marcial.

Que seja, eu iria abrir uma investigação, futuramente.

Mais uma vez, achei melhor desviar o rumo da conversa. Ou melhor, voltar para o tópico principal.

A antiga Assassina de Youkais.

— Guria, sobre Kyoko, tem alguma ideia sobre?

— Como assim, seu pamonha? Está falando sobre a teoria da mulher misteriosa e ela serem a mesma pessoa? Bem, não é como se fosse improvável. Para ser sincera, eu acredito que exista uma real possibilidade. Mas, e quanto ao cheiro dela. Mesmo eu não sendo tão próxima de minha antecessora, para uma hanyou como eu, o cheiro é algo bem marcante. Se elas fossem a mesma pessoa, é muito provável que eu teria reconhecido pelo cheiro.

— Hmm, nesse ponto, você tem razão.

E a questão do cheiro também se aplicava a mim. Como sou um inugami, meu olfato canino é centena de vezes mais apurado do que o da guria. Também por conviver bem mais próximo da antiga Assassina de Youkais, seria impossível ela aparecer em um raio de duzentos metros sem que minhas narinas reconhecessem seu odor. Mesmo se ela tivesse camuflado seu cheiro, dentro de um estacionamento subterrâneo com apenas duas pessoas a mais, eu ainda conseguiria reconhecer seu cheiro.

Afinal, além de inugami, e consequentemente shikigami, eu sou um lobo, líder de alcateia.

— Acho que deveríamos deixar essa mulher de lado, seu pamonha. Ela é nossa menor preocupação, no momento. Há um franco-atirador lá fora que causou problemas maiores para nós.

— Realmente.

Seja lá quem disparou contra nós, não estava para brincadeiras.

— Mas como vamos lidar com ele, guria?

— É um problema mais meu do que seu. Mesmo com seu curativo feito, ainda irá demorar para se regenerar. Acho que no final, vou ter de levá-lo nas costas, de qualquer jeito.

De novo isso?!

— Eu estou bem, guria. Com esse curativo a regeneração não demorará tanto quanto pensa. Por já estar com o corpo cansado da minha última missão, meu fator de cura está acelerado. Assim que esse ferimento sumir, conseguirei atingir a velocidade que estava anteriormente.

— Você chama uma ronda escolar de missão, é?

— Era uma missão de vistoria!

— É exatamente o que uma ronda escolar é, seu pamonha.

— Não desmereça meu trabalho! O que eu não deveria estar fazendo é transportando uma garota de castigo para comprar um jogo erótico!

— Hã! Hmph. — Após uma dramática surpresa, Yuna fechou a cara e virou as costas para mim, cruzando seus braços para enfatizar que ficou ofendida. Claro, tudo no campo da extrema dramatização. Talvez, na adaptação para anime, essa cena se torne um gif.

— Vamos, guria, sem drama. Foi você quem cutucou a onça com vara curta.

— Mas você é um cachorro...

— Tsc, eu só usei uma expressão, não leve as coisas ao pé da letra.

— Eu quem devo dizer isso. Eu só estava brincando com você...

— Certo, é claro que não quis dizer o que disse, guria. Afinal, eu te trouxe, não trouxe?

— E-Está bem...

E ela se virou.

Estava para começar a chorar?!

Ela se ofendeu de verdade?!

Com o antebraço direito, ela enxugou as lagrimas que estavam para começar a cair.

Teria ela feito teatro escondida, também?

Enfim, vou acrescentar para minha futura investigação.

— Agora, foco, guria.

— Certo. — Ela já estava melhor.

— Para cortarmos o mal pela raiz, precisamos descobrir onde está o franco-atirador.

— Claro.

— Tem alguma ideia?

— Sim, eu tenho uma ideia.

— E qual seria?

— Vamos pedir ajuda aos universitários.

— Universitários?

— Sim, precisamos de alguém que tenha uma fonte muito grande de informação à disposição. E esse alguém é o 3k1.

— Aquele agente irresponsável, é? E você quer ir até a Mythpool, agora?

— Não precisamos ir até lá, seu pamonha. Eu vou ligar para ele.

— Está com algum celular?

— Nops. Mas estou com isso! — Ela ergueu o braço esquerdo com o punho fechado, destacando aquilo que estava preso em seu pulso. — Meu smartwatch!

— E ele faz ligações?

— Espere e verá, Império das Pulgas.

— Do que me chamou?!

Yuna me ignorou, fingindo não ter me escutado. Ela baixou o braço e o posicionou à frente do corpo, como se estivesse olhando às horas, embora o relógio estivesse apagado. Então a guria moveu sua mão livre, tocando com o dedo indicador o monitor daquele medidor de tempo. Com isso, ele ascendeu com uma luz esbranquiçada. Yuna deslizou o dedo duas vezes naquela tela, enquanto observava apaixonada sua mais recente compra, antes de Combatentes Masoquistas 4, claro.

— Aqui, minha lista de contatos. Só preciso descer até o R.

— Hmm, por que até o R?

— De Rei dos Pedófilos.

Lógico... estamos falando da lista de contatos de Yuna Nate.

— Aqui. Pronto. Está chamando.

Do outro lado da linha, alguém atendeu.

— Alô?

— Ei, seu pamonha, sou eu.

— É... Yuna?

— Sim.

— Y-Yuna! Caramba... — Ao fundo, o som de coisas caindo. Depois, o repentino ruído que parecia ser alguém gemendo. Por fim, o barulho de porta batendo silenciou os sons alheios. Ele deveria estar estudando algum caso, ou qualquer outra coisa que agentes fazem.

— Está tudo bem, seu pamonha?

— S-Sim, está... eu só estava estudando um caso, sabe, essas coisas que agentes fazem.

— Claro, você parece se esforçar bastante. Se fosse outra pessoa, diria que você estava fazendo algo irresponsável, como assistindo hentai. Mas eu acredito que exista alguma coisa boa em você.

— Ah... claro, irresponsável. É, enfim, como você está? Ainda está de castigo?

— Oh, sim, eu ainda estou de castigo, acabei prolongando ele.

— Entendo. Fugiu de casa, novamente, não foi?

— É... mas tive uma pequena ajuda, desta vez.

— Não me envolva nisso, guria!

— Ei, quem está com você, Yuna?

— Ah, é o Ulim. Diga algo, Ulim. — Ela baixou o relógio para perto de meu focinho.

— ... — Eu mantive meu direito de permanecer em silêncio.

— Ele não quer falar, seu pamonha.

— Hmm... tudo bem.

Será que, de alguma forma, eu magoei os sentimentos daquele agente?

Eu espero que sim.

— Bem, vamos ao que interessa. — Começou Yuna. — Você está na Mythpool, agora?

— Sim, estou no alojamento.

— Ótimo. Preciso que pesquise uma coisa para mim.

— Pesquisar? Na internet?

— Não, não, o que quero saber não deve ter na internet. Preciso que pesquise sobre uma assassina sobrenatural. Seu nome é Kyoko.

Mas não queríamos saber sobre o franco-atirador?

— Kyoko? Mas é só Kyoko? Não tem um segundo nome?

— Eu não sei seu segundo nome. O que sei além do que disse, é que ela é humana.

— Humana e assassina sobrenatural... interessante.

Aquele agente estava passando a impressão de que finalmente seria útil de alguma maneira. Geralmente, as atitudes dele só colocavam a guria em alguma situação complicada, como no início do mesmo mês de agosto. Mas, dessa vez, eu estava apostando alguma coisa nele.

Ao fundo da ligação, pudemos ouvir o som de uma porta fechando. Um som mais abafado do que batida de porta anterior. Provavelmente era alguma porta corta-fogo. Logo em seguida, o som dos passos batendo no chão em um ritmo único. Ele estava descendo as escadas. E descendo. E descendo. Ah, parece que chegou a algum lugar, pelo menos era o que indicava o barulho de outra porta se abrindo. Então, mais alguns passos. O som de uma cadeira sendo puxada e de um corpo se acomodando nela.

É possível que Yuna não tenha escutado todos os sons que descrevi, já que alguns só chegaram aos meus ouvidos graças a minha sobrenatural audição canina.

— Ok, cheguei na sala dos computadores, Yuna. Qual é mesmo o nome da pessoa?

Ele já se esqueceu durante esse pequeno percurso? Francamente.

— É Kyoko, seu pamonha. Vai, digite logo para não esquecer.

— É o que estou fazendo. Hmm, vamos ver. Existem muitas Kyoko.

— Filtre por “assassina sobrenatural”.

— Certo. Bem, ajudou bastante. Por sorte todas as fichas têm foto. Você sabe alguma característica de rosto, quanto de cintura, sei lá?

— Seu pedófilo, diferente de você, eu não ando com uma fita métrica por aí.

— Quê?! Eu não ando com uma! E o que isso tem a ver com pedofilia?!

— Tudo. Você é o rei dos pedófilos. Mas enfim, eu sei de uma característica. Os olhos. Eles são cinzas, como um céu de tempestade.

— Cinzas, é? Vejamos, vejamos. Aqui! Ela tem o cabelo curto?

— Exatamente.

E não é que minha aposta não foi em vão. O agente finalmente servil de alguma coisa. Talvez se ele deixasse as missões de campo e ficasse só em uma cadeira, diante de um computador, ele acabaria ganhando algum valor neste mundo.

— Ela é bem bonita.

— Pare de salvar as fotos dela em sua pasta particular, seu pamonha!

— Que?! Eu não estava fazendo isso!

— Hmph, só me passe as informações, está bem?

— Certo... — Do outro lado da linha, um curto silêncio se instaurou. — Bem, ela tem vinte e seis anos. Nasceu em Kanagawa. Não tem informações sobre pais ou irmãos. Ela tinha uma espada, ou tem. Este texto não está deixando as coisas muito claras.

— Se esforce, seu pamonha, eu acredito em você.

Isso, agente tarado, eu também apostei em você, não me faça passar vergonha na frente dos leitores.

— Aqui. Um texto melhorzinho.

— Filtre e me passe só os pontos interessantes.

— Certo... deixe-me ver... hmm, isso. Encontrei algo bastante peculiar sobre essa Kyoko. Mas primeiro, por que não me disse que ela era a antiga Assassina de Youkais?

— Ela era?! — Mentiu a guria. — Oh, como este mundo é pequeno, eu não fazia ideia, estou chocada.

— ... — E ele permaneceu em silêncio. Qual seria o julgamento do agente 3k1?

— Seu pamonha? Está aí?

— Você deve estar falando a verdade. — Ele caiu nessa mentira?! — Enfim, tem algumas outras informações aqui sobre a personalidade dela. Sinceramente, é a parte mais intrigante de todas as informações. Pelo o que está aqui, parece que essa tal de Kyoko sofre de um transtorno de personalidade tripla. E mais, ela trabalhou por alguns meses para o NIP, após deixar a AAA. É, Yuna, no que você está se enfiando?

— É para um trabalho da faculdade.

— Você não está na faculdade!

— Eu disse faculdade? Eu quis dizer colégio.

— Você está me escondendo algo!

Agora que ele percebeu?!

— Seu pamonha, deixe de perguntas e só me ajude, está bem? O que é exatamente esse transtorno de personalidade tripla?

— Você que manda. Mas espero que isso não vá te colocar em nenhuma situação perigosa.

— Hmph, eu como perigo no café da manhã, não se preocupe.

— Ok... certo. Pelo o que estou lendo aqui, Kyoko foi amaldiçoada enquanto trabalhava para o NIP. Na verdade, quando ela decidiu deixar a organização.

— Escuta, ????, não me lembro de ter perguntado a você, mas o que é exatamente esse NIP?

— Ah, eles são uma organização de magos, feiticeiros e bruxos. Para ser sincero, não são uma organização. NIP é mais ou menos uma religião, um ideal. Pelas pesquisas da Mythpool, existem vários grupos que se dizem ser o NIP, com objetivos diferentes. Porém, a maioria desses grupos dizem ter um mesmo objetivo final: encontrar A Verdade.

— Sei... e para isso eles precisam do escudo Kagami?

— Bem, não sei. Talvez, sim. O escudo é uma grande fonte de magia, não é? O mesmo grupo que roubou o Kagami, também ressuscitou os youkais. Pode ser que o objetivo deles seja relacionado a isso.

— Ressuscitar youkais...? — Yuna apontou os olhos para mim enquanto pronunciava essas palavras.

Sem precisa questionar alguma coisa, minha mente canina sabia o porquê daquele olhar. Ela estava se lembrando do que enfrentamos há alguns dias atrás, no Circuito de Tsukuba, em Ibaraki.

Um youkai dragão.

O mais lendário dos youkais.

— Yuna, já que tocou no assunto, e quanto ao Tetsu?

— Hã, ah, ele apareceu na Associação. Parece que conseguiu escapar das mãos do Tengu. — Ela continuou mentindo.

— Hmm, entendo. Que bom que conseguiu fugir.

— E quanto a Suny, ouvi dizer... — A guria conteve suas palavras. Provavelmente iria dizer que soube que ela se feriu em missão. Contudo, ela queria manter o que ocorreu em nosso resgate ao Tetsu e o youkai em Ibaraki, só entre mim, ela, e aquele detetive suspeito. — Digo, vocês fizeram as pazes?

— Sim, sim. Mas, infelizmente, ela sofreu um acidente durante uma missão recente e acabou gerando sequelas. Ela até mesmo esqueceu que conheceu o Assassino Intocável.

— Ah... é uma pena. Espero que ela melhore.

— Sim, ela está se recuperando rápido. Suny é bem forte.

— E você deveria estar ao lado dela, não acha, seu pamonha?

— Amanhã eu irei para o hospital. Ela não podia receber visitas, hoje.

— Faça isso. Agora, podemos voltar as informações sobre Kyoko?

— S-Sim, claro. Onde paramos... me encontrei. Então, ela foi amaldiçoada. Uma maldição que se alimenta de rancor e só é quebrada quando o motivo de sua fúria é morto diante de seus olhos. Aqui diz que a maldição dividiu sua personalidade em três, e ela tem súbitas trocas durante o dia, sendo que cada personalidade é especialista em algo, pensando e agindo de maneira totalmente diferente.

— Especialista? E aí diz no que?

— Aqui diz que uma personalidade, a principal, é especializada em armas brancas, principalmente na arte da espada. Ela é muito violenta, tendo uma vontade de matar insaciável. É... tem algumas imagens aqui, e são bem grotescas.

Hmph, se o agente não estivesse mentido, com certeza ele estava falando da mesma Kyoko, a antiga Assassina de Youkais.

— E a outra, seu pamonha?

— É especialista em artes marciais, e tem como preferência o karatê. Essa personalidade não é violenta como a primeira, mas é extremamente orgulhosa. Ela também não gosta de expor sua aparência, mesmo ela sendo bem bonita, então, costuma utilizar roupas largas e longas, com máscaras e chapéus.

Que informações específicas. O que o agente nos passou, se ele não estivesse mentindo, condizia exatamente com a mulher misteriosa que apareceu no estacionamento. Eu não estava errado em desconfiar daqueles olhos cinzentos. Mas, e o cheiro? Será que essa maldição é tão profunda que chega a alterar o cheiro do amaldiçoado?

— E a última, seu pamonha?

— A última, é especialista em armas de fogo. Uma exímia atiradora. Referente a aparência, não há registros, ela nunca foi vista enquanto nessa personalidade. Mas o número de mortes confirmadas é grandíssimo.

Parece que o caso estava encerrado. Se o agente não estivesse mentindo, a pessoa que disparou contra nós e acertou minha perna, assim como a misteriosa mulher que enfrentou Yuna, eram a mesma pessoa. Eram Kyoko, a antiga Assassina de Youkais.

— Obrigada, seu pamonha.

— Ei, Yuna, es...

Ela não esperou. Desligou a ligação, deixando o agente falando sozinho.

— Agora as coisas fazem sentido, Ulim. A mulher misteriosa queria me enfrentar porque eu tomei seu lugar na Elite da AAA. Na cabeça dela, a culpa por ela ter sido exilada, é minha. Por isso ela disse aquilo sobre eu ser talentosa. Hmm, parece que as peças se encaixaram.

— Sim, guria, deve ser isso. Mas veja bem, isso pode ser de personalidade para personalidade. Quando dispararam contra nós, dois tiros, na verdade, foram direcionados a mim. E pelo material dos projéteis, a intenção era realmente tirar minha vida. Se considerarmos isso e o seu último pensamento, a atiradora teria disparado as outras duas vezes contra você e não contra mim. É como se a personalidade das armas de fogo quisesse matar a mim. Também temos que observar as atitudes das personalidades. A mulher misteriosa queria vencê-la em um combate, o que entra na questão de ser bastante orgulhosa. Se ela não a vencesse, preferiria morrer pelas suas mãos.

— Hmm, verdade, você tem razão. E, no final do combate, a mulher sacou uma arma e fugiu. Provavelmente houve uma troca de personalidade ali. Só que, ela blefou. Não havia munição naquela arma. Isso pode ser um indício de que a atiradora realmente não queira me matar. Ou, indo além, talvez a mulher misteriosa não quisesse que a atiradora me matasse, então retirou a munição da arma quando assumiu o controle do corpo, para o caso de acontecer uma troca súbita.

— Sim, pode até ser, guria. Mas nessa linha de raciocínio, o que estamos assumindo é que Kyoko e suas personalidades sabem das trocas repentinas e também como cada uma age e pensa.

— E não pode ser isso? Seria plausível, seu pamonha. Kyoko não sofre com tripla personalidade por conta de um estado mental, e sim, por conta da maldição. Sua tripla personalidade é mística, e isso abre um número grande de possibilidades. No que você estava pensando?

Yuna estava certa. Às vezes esqueço de sua grande capacidade metal.

Ponto para ela.

— Bem, guria, eu achei que seria algo como no filme Eu, Eu mesmo, e Irene.

— Não é o filme que o Jim Carrey tem chuunibyou?

— Não tem nada a ver com chuunibyou!

— Que seja, Ulim, vamos focar. Agora que sabemos que tanto a atiradora quanto a mulher misteriosa são a mesma pessoa, só precisamos encontrá-la e resolver nossas diferenças.

— Sim, mas se Kyoko estiver na personalidade de atiradora, ela estará nos aguardando em algum ponto.

— Hmph, eu já pensei nisso, seu pamonha.

— Assim tão rápido?!

— Veja, nós não podemos localizar a atiradora pelo cheiro, mas você tem em mente o cheiro da mulher misteriosa.

— Sim.

— E também tem em mente o cheiro da Kyoko original, não é?

— Sim.

— Sendo assim, você só precisa seguir o rastro de cheiro que a mulher misteriosa deixou ao vir até aqui, até onde termina. E depois, só precisa rastrear o cheiro da Kyoko original. Assim, vamos chegar em algum lugar. A atiradora não deve ser um problema, considerando que Kyoko veio até aqui com uma única arma e sem munição. Ela deve ter algum lugar onde guarda as armas e aquela fantasia. É lá que precisamos chegar.

Guria esperta.

Era um bom plano.

— Parece que meu ferimento já está quase regenerado, consigo correr na média de trezentos por hora com você em cima.

— Perfeito, Império das Pulgas.

— O que você disse?!

— Vamos, vamos. Deve estar ouvindo coisas por conta da emoção. 

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