Capítulos (1 de 1) 13 Dec, 2020
Ponto de vista fantasioso
As nuvens, muitos olham para elas e enxergam figuras como um coelho, uma baleia, um rosto sorrindo, há quem diga que já viu até mesmo uma nuvem no formato de um carro. Os nórdicos acreditavam que as nuvens eram partes do cérebro do gigante Ymir e que elas mudavam de forma conforme o pensamento do gigante.
Talvez tenha sido os deuses que jogaram essa maldição em mim, por tentar desvendar os pensamentos de Ymir, ou talvez eu tenha desvendando e por isso estou amaldiçoando. Seja qual for a origem dessa maldição, uma coisa é certa ela surgiu na minha infância, quando em um dia ensolarado de verão, deitado num lindo campo verde, eu observava as nuvens no céu. Ganhando forma e se desfazendo logo depois, se transformando num lindo cavalo de algodão doce, que aos poucos se dividia em vários pedaços que tomavam novas formas.
Um desses pedaços havia assumido uma forma muito estranha, não era nenhum animal tão pouco um carro. A nuvem havia assumido a forma de um homem risonho e esguio, com longas garras curvadas no lugar de dedos, o sorriso no seu rosto era maldoso e sombrio. Aquilo por si só já me deixou apavorado, mas não parou por aí, ao olhar para os olhos daquele macabro homem de algodão doce, parecia que ele estava olhando diretamente para mim.
Com medo que esse monstro descesse dos céus para me pegar, fiz o que toda criança faz perante um terrível mal. Me agachei com as mãos cobrindo a cabeça e os rosto e fechei os olhos. Tremendo de medo e chorando eu só conseguia pensar no meu pai vindo me salvar, o medo era tamanho que quando me dei conta já havia mijado nas calças. De repente um vento forte passou atrás de mim e quando olhei para o céu o homem havia sumindo.
Até hoje não sei se aquilo foi realmente o vento ou as garras daquele monstro.
Essa foi a primeira vez que vi o monstro, depois disso ele começou a aparecer em locais diferentes, como; numa rachadura, em uma pintura, numa camisa manchada, no lixo, numa sombra, na fumaça e na neblina. Em resumo, em todos os lugares que eu poça enxergar um rosto.
Essa coisa costuma aparecer principalmente em rachaduras e assim que eu noto o rosto, o monstro começava a sair da parede, ou asfalto, com o seu corpo esguio e fino como papel. O monstro anda devagar dando passos longos e jogando o braço pra frente ao mesmo tempo, a cada depois passos ele joga a cabeça pra frente, inclinada na vertical, dá uma risada e volta à andar.
Para fazer esse monstro desaparecer, eu preciso esquecer do seu rosto e para isso acontecer, eu fecho os olhos e tento imaginar outra coisa na minha mente, geralmente um quadro branco, sem nenhuma deformidade ou mancha. Pode parecer uma solução simples para um problema como esse, mas acredita não é, por ter de fechar os olhos para pode imaginar mais rápido o quadro, eu perco a visão do monstro e o nervosismo por não saber se ele está chegando perto ou não, atrapalha muito.
Esse problema se torna pior em lugares movimentos, como em uma escola, uma praça, um parque, um bar. Na época da escola todos tinham medo de mim, por do nada fechar os olhos e começar a tremer, e só piorou depois que um garoto, que eu pensava ser meu amigo, contou a todos o motivo de eu fazer aquilo, dali em diante todos começaram a zombar de mim e me chamar de ‘’O garoto que vê monstros na parede’’. Entretanto, nem de longe o que sofri na escola foi a pior parte.
Na adolescência, eu arrumei uma namorada, que, por causa da traição do meu amigo de escola, resolvi não contar pra ela sobre minha maldição. Hoje me pergunto o que aconteceria de diferente se tivesse contado. Pois bem, as paredes do meu quarto eram cobertas por quadros e posters do teto até o chão para esconder as rachaduras que surgissem e várias surgiam, mesmo tampando com cimento as rachaduras voltavam, e foi aí que percebi que esse monstro é capaz de interferir no mundo a minha volta mesmo sem vê-lo.
Minha namorada sempre achou estranho os quadros pregados no teto e quando me questionava sobre o motivo disso, eu simplesmente dizia que não conseguia dormir sem olhar para ‘’A Noite Estrelada’’ antes. Passa algum tempo e, em uma noite quando eu estava bebendo com uns amigos, a minha namorada liga dizendo para eu vim pra casa rápido, porque ela encontrou algo muito assustado no meu quarto.
Chegando lá, me deparo com o meu poster de ‘’Taxi Drive’’ no chão e na parede onde ele ficava havia agora várias rachaduras, porém essas eram diferentes das outras, essas rachaduras eram mais profundas e retorcidas quase parecendo vermes pregados na parede, eu fiquei tão enojado com aquilo que quase vomitei ali mesmo. Mas o pior vinha agora, não um e nem dois, mas sim oito monstros saíram de dentro das rachaduras e antes que eu pudesse fechar os olhos um deles arrancou fora o braço esquerdo da minha namorada.
O sangue jorrava pelo quarto inteiro, pintando todos os meus quadros de vermelho. Eu fiquei imóvel, completamente em pânico sem nem ao menos conseguir mexer um dedo ou fechar os olhos, enquanto que minha namorada gritava em agonia. Aproveitando o meu estado catatônico, os monstros se aproximaram e com suas longas e curvadas garras cortaram várias vezes o meu peito, o que apesar de tudo me ajudou, pois a dor me fez desmaiar e com isso os monstros desapareceram.
Quando acordei eu estava em uma cama de hospital, os meus vizinhos ouviram os gritos e vieram ao nosso socorro. Felizmente minha namorada sobreviveu, mas depois disso ela nunca mais olhou na minha cara e sempre que eu tentava falar com ela, para explicar o que havia acontecido, ela e a embora. É compreensível, eu também ficaria com medo se tivesse o meu braço arrancado por um monstro invisível.
Hoje, na vida adulta, por causa de tudo isso que aconteceu eu vivo sozinho e quase não tenho amigos, mas em contrapartida hoje eu consigo controlar melhor a minha imaginação e graças a esse controle cada vez menos eu vejo aquele monstro. já faz tanto tempo desde a última vez que vi aquele rosto, que de vez em quando me dou o luxo de passear pela cidade. Claro, ainda temo que um monstro possa sair da parede para me atacar, mas pelo menos agora sei como lidar melhor com eles.
Cada vez que eu passeio pela cidade tenho mais certeza de que em breve tudo isso irá colapsar, por causa das rachaduras que agora estão em todos os lugares; no asfalto, nas paredes, no céu, nas colunas do viaduto e até mesmo nas pessoas há rachaduras profundas. A única diferença dessas pessoas para mim é um maldito monstro que está à espreita só esperando o momento certo para me matar, mas, pelo andar da carruagem os monstros não vão tardar a aparecer pra todos.
Talvez o destino ao me ver tão tranquilo, decidiu por puro prazer me lembrar que a maldição que carrego é tão nefasta e aterrorizante, que não eu devo me dar ao luxo de viver tranquilamente.
Eu voltava de ônibus do trabalho quando vi algo perturbador no meio fio, o cadáver de um animal atropelado provavelmente de um cachorro ou gato, que não viu o sinal verde. Uma cena infeliz e grotesca, mas comum, vários animais morrem atropelado tentando atravessar a estrada, contudo, por algum motivo os meus olhos enxergaram nas tripas expostas daquele pobre animal, o rosto daquele maldito homem. E pela janela do ônibus eu vi, aquele monstro saindo do meio das tripas do cadáver, como um bebê sai da barriga da mãe.
A bizarrice daquela cena me deixou muito enjoado, tive de colocar a mão na boca depressa para não vomitar no ônibus. Por um breve momento entrei em pânico, com a boca cheia de vômito, suando frio e com medo daquele homem de tripas, mas felizmente logo isso passou, pois lembrei-me que o monstro é lento.
Após me esforço muito consegui engolir o vômito, em seguida encostei a cabeça no banco duro do ônibus e fechei os olhos para tentar esquecer o que acabei de ver, porém sem sucesso.
Toc!
Alguma coisa havia batido no meu vidro, como eu ainda estava tentando esquecer aquela cena horripilante não dei muita atenção para essa leve bancada, nem mesmo abri os olhos pois achava trata-se de um besouro que bateu no vídeo.
Toc!... Toc!
Pouco tempo depois ouvi duas batidas no mesmo lugar e com uma pequena diferença de tempo entre as duas, essas batidas me fizeram questionar se o que havia batido no vidro antes foi realmente um besouro e se foi, seria possível que dois besouros se chocassem contra um vidro no mesmo ponto e quase ao mesmo tempo? Estava começando a ficar nervoso, mas não abri os olhos, pois temia ver algo que poderia consumir minha sanidade por completo.
Toc! Toc! Toc! Toc! Toc!
Depois de cinco batidas seguidas não havia mais como ignorar e ao abrir os olhos, o que eu mais temia estava lá. Um homem esguio e retorcido, feito inteiramente de tripas estava correndo ao lado do ônibus e batendo no meu vidro, ele olhava para mim e sorria contente em me ver, mas não só isso, pela primeira vez essa criatura falou comigo ou pelo menos tentou, pois eu vi os seus lábios sangrentos gesticulando algo, que não consegui entender.
Blém! Blém! Blém! Blém! Blém! Blém! Blém!
O monstro começou a bater na lataria do ônibus, bancadas fortes e estrondoso como um trovão, ouvindo aquilo o motorista achou que um pneu havia estourado e arrastou o ônibus para o acostamento, entretanto, antes que ele pudesse parar o ônibus eu fechei os olhos e me esforcei ao máximo para esquecer aquele monstro horrível.
Foi difícil pensar no quadro branco depois de tantos anos sem vê-lo, o medo e o pânico também influenciaram bastante na hora de imaginar, mas felizmente consegui cria-lo na minha mente perturbada antes que a porta do ônibus fosse aberta. Ao ver que tudo estava ok o motorista voltou a dirigir. Durante o resto do percurso eu só conseguia pensar no que aquele monstro queria dizer e o motivo dele agora conseguir falar e correr tranquilamente, seria uma evolução? Ou um monstro diferente?
Chegando em casa, sentei no sofá e liguei a televisão para distrair a mente e esquecer daquele monstro, pois no meu caso aquela frase ‘’ Se você pensar no Diabo ele aparece’’ É real. Vasculhando os canais atrás de algum programa descente pra assistir, uma coisa que está se tornando cada vez mais difícil de achar, acabei me deparando com a propagando de um desenho animado peculiar.
‘’Alice na terra das desventuras’’ Uma releitura do clássico infantil ‘’Alice no país das maravilhas’’ O que me chamou atenção foi os monstros que estão lutando com a Alice, esses monstros são sempre sombra de dúvidas os mesmos que me perseguem desde a infância. A semelhança era tão gritante que rapidamente fechei os olhos e pensei no quadro branco, desnecessário, os monstros eram iguais, mas apenas os meus podem me atacar.
No mesmo dia, sem perder tempo fui procurar na internet o nome do roteirista, Marcos Lindoval esse é o seu nome, ele trabalha como desenhista e roteirista e por esse motivo foi muito fácil encontrar o seu email. Após tomar uma xicara de café para me manter acordado na madruga, escrevi um longo email pra ele contando como os monstros do seu desenho tem infernizado a minha vida.
Sinceramente eu não achava que ele fosse responder, afinal o fato dos monstros serem tão semelhantes podia ser simplesmente coincidência. E além do mais, qualquer pessoa que lesse as coisas que escrevi no email me chamaria de esquizofrênico, exceto Marcos.
Marcos acreditou na minha história e me mandou o seu endereço, pois as coisas que tinha para me contar precisavam ser ditas pessoalmente. Para minha surpresa e felicidade ele mora na cidade vizinha, então assim que o dia amanheceu eu peguei o primeiro ônibus e fui direto pra casa dele. Cheguei lá por volta do meio dia. O desenhista vive sozinho numa casa afastada das demais, bati na porta de madeira e esperei um bom tempo até que ele viesse abrir a porta.
Marcos é um homem que já passou da casa dos 60 a muito tempo, dá para ver alguns fios grisalhos no seu cabelo e barba, ele também anda por aí com o auxílio de uma bengala branca, não sei se por estilo ou porque realmente precisa. Seja como for, fomos direto pra sala de estar onde ele perguntou se eu gostaria de beber alguma coisa, respondi que não e começamos a tão aguardada conversa.
- Pois bem, então vamos direto ao assunto – Disse Marcos, sentando na poltrona e deixando sua bengala de lado.
- Pra início de conversa preciso dizer que tudo que sei foi graças a minha querida avó, foi ela quem estudou essas criaturas durante a vida inteira. Dito isto, gostaria de saber o que primeiro?
- Qual é o nome desses monstros e o que eles querem?
- Hm... A minha vó costumava chamar esses monstros de ‘’ Sombras Risonhas’’ Mas você pode chama-las da forma que achar melhor, monstros, criaturas, demônios, jujubinhas, solte a imagem.
Ao ver que eu não estava rindo, o desenhista parou de sorrir – Me desculpe, eu só estava tentando anima-lo, afinal eu melhor do que ninguém sei que não é nada fácil lidar com esses bichos.
- Pois bem, você perguntou o que eles querem né? – Assenti com a cabeça. – Certo... Essas sombras vivem num mundo totalmente diferente do nosso, chamado ‘’ A terra sem estrelas e músicas’’ Onde a lua ilumina a todos com a sua luz fúnebre e o sol aquece a todos com o seu corpo ensanguentado.
- O objetivo desses monstros é passaram do mundo deles para o nosso, para fazer o que? Bem, acho que isso é bem óbvio basta olhar pra cara deles, certamente esses monstros não iriam vim pra cá apenas pra viver em sociedade.
- Mas por que eles me escolheram? O que eu tenho de especial?
- Imaginação, mas não se sinta especial por isso, esses monstros podem aparecer pra qualquer pessoa, porém só gente com uma mente muito imaginativa ou doente mesmo, a linha entre que separa essas duas coisas é bem tênue. Apenas esses dois tipos são infernizados e espero de coração que você seja do primeiro tipo.
Refleti por alguns segundos e então fiz uma nova pergunta – Por que esses monstros precisam de mim para vim pro nosso mundo?
- Antes de responder essa pergunta eu preciso fazer outra, as sombras já te machucaram alguma vez?
- Sim... Na adolescência elas conseguiram cortar o meu peito, foram tantos cortes que hoje em dia não consigo ficar sem camisa na frente de outra pessoa... Por que isso é importante?
O velho desenhista alisou sua barba por um momento e disse – Não se preocupe, eu não vou pedir pra você tirar a camisa Haha!... As sombras entram na nossa mente na infância onde a imaginação é mais abundante e pura e conforme vamos crescendo ela vai ficando cada vez mais forte.
- Na infância elas são fracas e lentas, podendo apenas alterar um pouco a nossa visão para pensarmos que um cesto de roupa suja é o próprio bicho papão. Com o tempo elas ganham corpo, tornam-se mais rápidas e fortes, além de agora poderem manipular o mundo ao nosso redor, quebrando paredes e vidros, e sujando roupas, tudo isso para nós forçar a enxergar aquele maldito rosto.
- Eu disse conforme crescemos a sombra fica mais forte, porém o mais correto a dizer é, quanto mais ela devorar a nossa imaginação, mais forte a sombra fica.
- Agora respondendo a sua pergunta, para uma sombra passar do mundo dela pro nosso, ela precisa do coração do seu hospedeiro, mas calma, caso você morra em um acidente ou em decorrência de uma doença a sombra vai junto.
- Eu não quero morrer!
- Nem eu, por isso aconselho a escrever uma história assim como eu fiz.
- Escrever uma história?
- Sim, sabe por que eu coloquei esse maldito monstro na minha história, Heitor?
Respondi que não e então Marcos se levantou da poltrona.
- Porque essa é a única forma de se livrar dessas malditas sombras! Escritores prendem os seus monstros em livros desde tempos imemoráveis, a mesma coisa na música e na arte. Tudo, absolutamente tudo não passa de prisões para esses malditos filhos da puta, Heitor!
- A arte não passa de uma grande prisão onde nós divertimos com os prisioneiros sem que eles saibam. E é o nosso dever como artistas criar essas malditas prisões, Heitor.
Após discursar com a mesma empolgação de uma criança ganhado brinquedo novo, o velho desenhista sentou-se na poltrona, ficou um tempo quieto, acalmando-se pra pressão não subir e então continuo.
- Fechar os olhos e pensar num quadro branco não o salvará pra sempre, você já deve saber disso, na sua idade esses monstros começam a correr mais rápido que um Uno com escada.
Ao ouvir aquelas palavras fiquei arrepiado, pois como ele poderia saber de algo tão pessoal? E Antes que eu pudesse pergunta algo, ele disse.
- Hahaha! Não precisa ficar com medo, eu não estou lendo a sua mente ou algo do tipo, a minha vó usava esse método também, porém ele é ineficaz e se você continuar a usá-lo irá morrer, ainda mais agora que você possui a port... Ehhh! Esqueça o que eu disser, era apenas mais uma piadoca Hahaha! ....
- ... Bem acho que já conversamos demais por hoje, o que acha de deixarmos o resto pra amanhã?
- Tudo bem, amanhã de manhã eu volto aqui então.
- Ah! Não, você vai dormir aqui hoje, sair de casa uma hora dessas é pedir pra ser roubado. Fiquei aqui, no segundo andar tem um quarto de hospedes e outra coisa.
Marcos sai da sala e quando voltou trouxe consigo um diário.
- Tome, comece a escrever a sua história aqui, quanto mais rápido você tira esse monstro daqui – O velho desenhista pois o dedo na minha cabeça. – Melhor.
E é isso que estou fazendo nesse exato momento, sentado na escrivaninha do quarto de hospedes estou transcrevendo todos os acontecimentos bizarros que aconteceu ao longo da minha vida. Sinceramente eu não esperava que a história da minha vida fosse dá tantas páginas, talvez eu posso até ganhar algum dinheiro com essa biografia ‘’ficcional’’.
Escrever todos esses acontecimentos tirou um peso das minhas costas, não sei se a maldição foi realmente embora, mas pelo menos eu me sinto mais leve agora. Contudo, não consigo parar de pensar no que o Marcos queria dizer ‘’ Port’’ O que diabos significa isso?
Já que o plano das sombras é entrar nosso mundo, eu só consigo pensar que ele quis dizer ‘’Porta’’ Afinal de contas é através delas que entramos nos lugares, e se for mesmo ‘’porta’’ por que diabos ele hesitou em falar? Bem, seja lá qual for o motivo amanhã irei pressiona-lo a me contar, por hoje chega de perturba a mente com essas questões.
E de fato, Heitor acabou descobrindo o motivo de Marcos ter hesitado em falar aquela palavra, e ele se arrependeu amargamente dessa descoberta. Na manhã do dia seguinte, Heitor acordou tranquilamente e após lavar o rosto na pia do banheiro, ele saiu do quarto em busca de Marcos. Ele procurou o velho desenhista na sala de estar, depois na cozinha e depois no quintal da casa, porém não o encontrou em nenhum desses lugares.
Depois de pensar um pouco em qual lugar ele não havia procurando, Heitor se deu conta que ainda não foi em seu próprio quarto e rapidamente se dirigiu para lá, pois começava a pensar que algo poderia ter acontecido ao desenhista. Chegando no quarto, ele bateu na porta antes de entrar e chamou por Marcos, porém ninguém respondeu, ele então bateu de novo e novamente ninguém respondeu. Tomado pelo medo de algo pudesse realmente ter acontecido, Heitor entrou no quarto.
A cama estava bagunçada o que significava que ele havia se levantando a pouco tempo, porém onde ele estaria agora? Ao entrar no quarto, Heitor escutou o som de água jorrando e rapidamente foi em direção ao banheiro onde enfim encontrou Marcos, porém o velho desenhista já não estava mais nesse mundo. Deitado numa poça de sangue, com o peito aberto como se fosse uma porta estava Marcos, a abertura era tão profunda que Heitor viu que o coração do velho havia sumido.
Horrorizado com aquela cena, Heitor fechou os olhos e virou-se pra sair do banheiro, porém antes a portal se fechou atrás dele.
- Ei! DEIXE ME SAIR! – Gritava Heitor, enquanto puxava a porta feito um louco, contudo não a porta nem se mexia e para piorar, o sujeito atrás dela começou a rir e Heitor rapidamente lembrou de quem era aquela risada.
- Não! Não! Não! Não pode ser...
Ouvindo o desespero do pobre homem a sombra gargalhou ainda mais alto.
- Hahahaha! Muito obrigado amigo, graças a você o velho ficou tão empolgado por ter com quem conversar, que acabou se descuidando ao olhar pro espelho.
- ME DEIXE SAIR DAQUI SEU FILHO DA PUTA!!!
- Ohhh! Olha a boca, garotos que falam palavras feias merecem ser punidos.
Dita essas palavras as paredes do banheiro começaram a rachar e de dentro das rachaduras saíram três sombras. Duas agarraram os braços de Heitor para que a terceira pudesse abrir o seu peito como se fosse uma porta de desenho animado. E com muita delicadeza a sombra retirou o coração de Heitor do peito e o engoliu como se fosse uma uva.
Ao ver que Heitor não havia morrida ainda, a sombra agarrou a maçaneta da porta no seu peito e disse.
- ‘’Você morre hoje’’ Foram essas palavras que eu disse naquele dia no ônibus, porém graças a sua insistência em permanecer vivo eu passei por mentiroso.
– Mas agora não a erro, posso dize-la com tranquilidade, lá vai.... Você morre hoje! Hahahaha!
Em seguida a sombra fechou a porta do peito de Heitor com tudo, jogando-o com extrema violência em outro mundo. Entretanto, esse novo mundo não era o céu e nem o inferno, mas sim um mundo onde a lua jazia no céu iluminando a todos, mas sem nenhuma estrela ao seu lado. Um mundo onde seus pés estavam em cima de uma terra vermelha e quente, e ao seu redor ele via espectros dançando dentro dos raios lunares.
Completamente perdido e desorientado Heitor caiu de joelhos no chão, que parecia sólido, mas que ao receber o peso dos seus joelhos esguichou uma onda vermelha e grossa em torno do local atingido. Ele começou a chorar loucamente e só parou quando ouviu passos de alguém se aproximando, e ao ver quem vinha lá o pobre homem, com o seu espirito completamente quebrado não soube como reagir.
O que caminhava em sua direção era um gato negro do tamanho de um tigre, com longas e pontudas orelhas, que na parte dentro estavam recheadas de olhos humanos. O seu rosto é redondo e nele não a nariz e nem olhos, apenas uma boca sem lábios e cheia de dentes afiados.
Ao se aproximar de Heitor o estranho animal disse, com uma voz muito convidativa.
- Bem - vindo ao fim de tudo minha criança.