Capítulos (1 de 19) 16 Jan, 2021
Capítulo 16: O Formigueiro
Synth e os demais continuam sua jornada em direção a pirâmide do faraó. Desbravando o deserto dentro de um poderoso túnel de vento chamado ‘’Caravan Palace’’.
Estamos viajando a três dias e desde a luta com a esfinge, nenhuma criatura cruzou o nosso caminho, nada, nem criaturas, nem ladrões ou comerciantes, o deserto está completamente vazio.
Para não ter mandado ninguém dar cabo da gente, Sand’Uicchi deve ser um homem muito forte ou convencido. Seja lá como for, essa calmaria deveria me deixar feliz, pois sem inimigos para enfrentar, chegaremos rapidamente à pirâmide, contudo. Preferia mil vezes enfrentar hordas e mais hordas de inimigos do que ter de aturar esse tedio mortal.
O tedio só não é pior que o calor, enquanto corremos o calor torna-se suportável graças ao Caravan Palace e sua bela música, porém não dá pra correr o dia todo e é justamente nos momentos em que precisamos parar pra descansar, que sentimos toda a intensidade do largo sorriso cintilante do sol.
O que tornar as coisas difíceis é a falta de árvores no deserto, pois sem elas não há sombras e sem sombras, somos obrigados a bater um rango embaixo do sol mesmo. E foi pensando numa forma de criar uma boa sombra pra comermos em paz, que me lembrei do ‘’Saco sem fundo da Antiquaria’’. Essa foi uma das primeiras relíquias que consegui e também é a que menos uso, pois ela só serve para guarda os espólios de batalha.
Entretanto, acabei descobrindo um novo uso para essa relíquia aqui no deserto. O ‘’Saco sem fundo da Antiquaria’’ Parece um saco de moedas vazio, comum. Porém, como o próprio nome já sugere, o saco não tem fundo e por isso podemos guardar desde simples moedas de ouro até carruagens com cavalos, dentro dele. Para que grandes objetos como uma carruagem entrem no saco, a boca dele precisa ser esticada até possibilitar a entrada.
Não é preciso alarga a boca do saco para tirar um item grande, ele volta ao tamanho normal enquanto é puxado pra fora. Caso o item seja uma pessoa, não é necessário colocar a mão no saco para tira-la, basta dizer o seu nome que ela sairá por conta própria. Do contrário, caso o item seja uma poção ou uma armadura, eu preciso colocar a mão dentro do saco para puxa-lo pra fora.
E bem, já que a boca do saco pode ser alargada o quanto eu quiser, resolvi usá-lo então como uma lona para nós proteger do sol. Sempre com a boca do saco virada pra cima, pois caso a boca estivesse virada para baixo e caísse sobre nossas cabeças, ficaríamos presos para sempre dentro do saco da Antiquaria. Pensar nessa possibilidade me dá calafrios e eu gosto de calafrios, eles me deixam geladinho.
Finalmente, no quarto dia de viagem nós deparemos com outras pessoas. Tratava-se de uma família, composta por um idoso que caminhava apoiado a um bastão. Uma velha, carregando um saco de pano na cabeça e um bebê no colo. Uma mulher mais nova, segurando uma criança de colo esquelética, e, um homem mais novo, usando chapéu de palha e carregando um pedaço de pau com um pano amarrado. Havia ainda três crianças de pé descalço andando ao lado deles.
Por conta do convívio com Leopoldo eu não fiquei assustado ou horrorizado ao ver esses seres esqueléticos, cuja a única coisa que cobria seus corpos era uma fina camada de pele cinza, porém, tudo mudou quando olhei para os olhos daquelas pessoas.
Quando olhei para os olhos daquelas pessoas comecei a chorar espontaneamente, tamanha a intensidade dos sentimentos que me atingiram; Dor, desespero, angustia, raiva, medo, tristeza, tudo isso veio como um raio direto no meu coração.
Eu não conseguia parar de chorar, a dor daquelas pessoas era forte demais e estava me consumindo vivo. Tomado por essas emoções, a primeira reação que tive foi correr na direção daquela pobre família para abraça-los e tentar de alguma forma amenizar todo a dor que sentiam. Entretanto, fui impedido rapidamente pela minha filha, que me puxou pelo braço e disse.
- Eles não são humanos papai, essas coisas são Flagelados!
- São o que? – Disse Synth, com a voz tremula e ainda chorando.
- Flagelados – Repetiu Taelin – São os espíritos de pessoas que tiveram de abandonar suas casas, por causa da seca, e que acabaram morrendo de fome e sede enquanto viajavam a procura de um novo lar. Agora seus espíritos vagam pelo deserto dia e noite sem jamais parar pra descansar.
- Que horrível – Disse Joelsun, assustado.
- Estranho – Disse Leopoldo. – Achei que assombração só aparecia de noite.
Apontando para os espíritos Taelin diz – Se o senhor tivesse ido até lá, eles sugariam todo o seu sangue para se hidratarem. Depois, eles cortariam o seu corpo em pedaços e guardariam nos sacos de pano, para poderem se alimentar dele aos poucos.
- Mas, mas então o que devemos fazer com eles? – Synth havia parado de chorar, mas a sua voz ainda estava tremula.
- Nada – Disse Taelin. – Os Flagelados não iriam nós seguir e tão pouco nos atacaram, eles só conseguem matar pessoas desavisadas que chegam perto sem querer, e pessoas muito emotivas que acabam sendo destruídas pelos sentimentos dessa criatura.
- Vamos embora e o senhor logo voltará ao normal.
Foi difícil ir embora sem abraçar aquela família, mesmo sabendo do risco que corria ao fazer isso. Conforme me distanciava dos Flagelados a dor sumia pouco a pouco até cessar por completo. Desejo jamais encontrar essas criaturas novamente, a dor emocional que senti foi tão dolorosa quanto um corte de espada.
Ao entardece, quando o sol sorridente começava a bocejar alertando a todos de que logo, logo iria tirar uma soneca, o grupo de Synth se aproximava do Formigueiro. O Formigueiro é uma cidade bastante conhecida pelos seus deliciosos doces a base de coco como; Cocada, Mudinha, Beiju, Malcasado, Saroio, Pé de moleque, Queijadinha entre vários outros que se eu fosse listar daria uma folha inteira.
A cidade possui esse nome por dois motivos, o primeiro é a gigantesca montanha de areia que cerca boa parte da cidade, igual um formigueiro. O segundo motivo está na sua população, que em sua grande maioria, é composta por uma raça de formigas humanoides chamada, Tanajiiuras. As formigas moram em casas construídas na encosta da montanha de areia, enquanto que os humanos e cactuis vivem no centro do formigueiro.
Synth e os demais se aproximavam do pico da montanha de areia, ao mesmo tempo, o sol sorridente abria sua enorme boca para bocejar mais uma vez. Quando o grupo enfim alcançou o topo, o sol bocejou e uma onda de calor saiu de sua boca em direção a montanha, fazendo com que todos tivessem de se abaixar muito rapidamente, para não serem cozinhados pelo mormaço.
Quando a onda de calor se dissipou e o sol voltou a sorrir, todos se levantaram calmamente do chão e a visão que tiverem foi maravilhosa. No fim do horizonte, bem, bem pequeninha em meio as dunas estava o topo da pirâmide de Sand’Uicchi. A visão daquela ponta triangular encheu o coração de Taelin de esperança e deixou Synth, Leopoldo e Joelsun extremamente empolgados para reencontrar seus oponentes.
Synth olha para a longa decida até a cidade e diz, como quem não quer nada – Que decida grande hein! Leopoldo?
- Sim – Disse o esqueleto com a mesma entonação. – É uma puta decidona.
- Hmmmm! Desce tudo isso com calma vai demorar muito tempo.
- Verdade.
- Não precisa se preocupar com isso Synth – Disse Joel. – Eu posso levar todo mundo lá pra baixo em um pulo ou dois.
- De jeito nenhum, levar todos nós até lá embaixo é demais pra você, meu querido amigo verdinho, não se preocupe, deixa que eu resolvo.
- Hmm! Então como o senhor sugere que descemos a montanha, papai? – Taelin parecia já ter sacado o que seu pai planejava fazer, mas mesmo assim resolver pergunta.
- Bemmm, eu sugiro que a gente dessa escorregando, mas não com a bunda e sim encima de uma prancha.
- Uma prancha... Como o meu peixe?!
- Exatamente como o seu peixe, Leopoldo!
- Oh! Mas essa é uma excelente ideia, Synth!
- Então era isso mesmo – Disse Taelin, desapontada.
- O que foi filhinha, não gostou da ideia?
- Papai – Disse Taelin, com a voz serena. - Várias pessoas antes do senhor tiveram essa mesma ideia, sabe o que aconteceu com elas?
Synth e Leopoldo colocam a mão no queixo, pra pensarem mais rápido na resposta, porém antes que pudessem encontra-la, Taelin respondeu a própria pergunta.
- Elas morreram! Todos que tentaram descer o formigueiro morreram e a causa dessas mortes está bem ali. – Taelin aponta para o telhado de carapaça de verme branco das casas das formigas.
- Olhando assim eles não parecem grande coisa, mas esses telhados funcionam perfeitamente como uma rampa, que acaba mandando para os céus quem passar muito rápido por cima delas.
- Ohhh! Então tem rampas aqui – Disse Synth. – Tudo bem, agora você conseguiu me convencer filhinha.
- Convenci? – Disse ela, surpresa.
- Sim, eu definitivamente irei descer essa montanha.
Taelin respira fundo e diz – Aff! Eu esqueci, avisar o senhor sobre o perigo eminente é o mesmo que dar doce pra criança... Merda. – Após uma breve pausa Taelin percebeu que disse a palavra proibida.
- Filhinha – Disse Synth, em tom de repreensão. – Quantas vezes eu preciso dizer, no dicionário da nossa família não existe palavras como Perigo ou difícil, no lugar delas devo dizerrr-
- Divertido – Completou Taelin a contra gosto.
- Exatamente – Synth faz um cafune em sua filha e continua. – Não se esqueça disso minha princesa, agora vamos descer essa montanha.
- De jeito nenhum! ...Como eu sei que é impossível convence-lo a desistir dessa ideia, tudo que posso fazer é lhe desejar boa sorte papai, mas de jeito nenhum irei descer a montanha nesse peixe, eu quero viver!
Dito isto, Taelin começa a descer a montanha, lentamente. Com um sorriso no rosto, Synth e Leopoldo viram-se para Joelsun, que até então estava apenas como um ouvinte na conversa.
- Cabe mais um na tilápia, você vem? – Disse Leopoldo.
O sapinho respondeu à pergunta do esqueleto com o seu largo sorriso. E assim, com Leopoldo na frente, guiando, Synth no meio e Joelsun atrás, os três desceram a montanha em cima da Tilápia Enrijecida.
Eu não esperava me diverti muito com essa montanha, resolvi fazer isso apenas para fugir um pouco do tédio, mas, ouvir minha filha dizer aquela palavra me deixou realmente empolgado. Ela jamais diria que algo é perigoso na minha frente se essa coisa não fosse mesmo. E de fato, essa montanha é muito divertida.
Assim que o nariz gelado do peixe espada virou-se completamente para baixou, a diversão começou de verdade. Nós descíamos muito, mas muito rápido mesmo, chegando ao ponto de eu precisar segurar a minha coroa com as mãos, pois caso contrário ela iria sair voando da minha cabeça a qualquer momento, tamanha a pressão do ar.
Para escapar dos telhados mortais, a gente se inclinava na direção oposta do obstáculo e o peixe acompanhava o movimento, porém como estávamos descendo muito rápido, o peixe atendia ao comando um pouco atrasado. Graças a isso, as vezes a tilápia passava por cima da lateral do telhado, fazendo com que a gente desce um pulinho no ar.
O impacto do peixe se chocando contra a areia é muito forte, tão forte que me fazer balançar em cima da tilápia e eu teria caído caso não tivesse segurado na cintura de Leopoldo a tempo. Joelsun fez o mesmo comigo para não cair e assim se seguiu a descida, com um segurando na cintura do outro. Entretanto, os obstáculos não pararam por aqui.
Pra melhorar a nossa situação, as formigas começaram a subir a montanha em direção as suas casas, para descansas após um longo e cansativo dia de trabalho. Então agora além dos telhados temos de desviar das formigas, já que elas se recusam a sair da nossa frente, talvez por não entenderem os nossos gritos de ‘’Saia da frente porra!’’ Ou por ruindade mesmo. Seja como for, graças a forma como estávamos descendo, um segurando na cintura do outro, o peixão atendia ao nosso comando mais rapidamente, tornando assim mais fácil desviar das formigas, porém houve um momento em que desviar se tornou impossível.
Faltava poucos metros até alcançarmos o fundo do formigueiro, quando um grupo 8 de formigas, uma do lado da outra, começou a subir a montanha. Esquivar desse imenso muro de insetos era impossível, pensei então em fugir voando, mas para isso precisaria colocar a coroa na minha cabeça, o que não seria possível pois caso tira-se as mãos da cintura de Leopoldo, a força do vento me jogaria para longe junto com Joelsun.
Preso nessa sinuca de bico, quem encontrou a solução para o problema não foi eu e tão pouco Joelsun, mas sim Leopoldo, que usando todo o tutano da sua cabeça teve a ideia de, com um chute, empurrar o nariz do peixe espada na areia, fazendo com que fossemos arremessados por cima das formigas.
Os três aventureiros giraram gritando no ar antes de cairem de bunda no chão, ainda segurando na cintura um do outro. Passada a emoção do momento, os três se levantam, trocam olhares e o primeiro a falar é Synth, que diz o seguinte.
- Bora mais uma vez?
Quando Taelin finalmente chegou ao pé da montanha, Synth, Leopoldo e Joelsun começaram a correr em direção ao topo, com um largo sorriso no rosto. Os aventureiros desceram a montanha mais 2 vezes antes de se darem por satisfeitos.
Por ser a única que já veio a essa cidade antes, minha filha nos guiou pelo imenso formigueiro, nós contando a história desse lugar e de todos que vivem aqui. Não dei muita atenção para o que Taelin estava falando, pois fiquei fascinando pela forma como esse povo usa as folhas de palmeira. A começar por suas casas em forma de cone, feitas inteiramente dessas folhas e decoradas com a casca do coqueiro. As tochas que iluminem o formigueiro quando cai à noite, são alimentadas com essas folhas. Eles usam essas folhas até mesmo em suas roupas, como se fossem joias. Triste.
Agora, o que mais me deixou espantado foi o equipamento dos guerreiros que protegem essa cidade, como posso descrever... É exótico. Eles possuem um peitoral feito de carapaça de verme branco, até aí tudo bem, a parte estranha está na cabeça e no armamento. Para proteger suas cabeças do sol e de golpes mortais, os guerreiros usam um elmo feito com a casca de coqueiro envelhecida, uma casca curvada no meio e com uma ponta em forma de seta para baixo.
Sobre o armamento, os guerreiros usam duas armas; um chicote vegetal com lâminas na ponta, e um mangal, que no lugar de uma estrela de ferro na ponta, ele possui um coco velho. Se minha filha não estivesse aqui, eu chamaria um desses guerreiros para um duelo, só pra testar a qualidade desse elmo e dessas armas exóticas.
Taelin levou a gente a doceria da Dona Maria, uma grande casa redonda com o telhado em forma de cone, tudo feito obviamente com folhas de palmeiras. Lá dentro não a bancos e nem cadeiras, todo mundo senta no chão de palha da casa, de início achei essa ideia ruim, mas ao sentar no chão mudei de ideia, a palha é muito confortável. Os doces são servidos em pratos de barro, ou pelos menos assim seria caso tivesse algum doce.
- Como assim não tem doce, Dona Maria? – Disse Taelin, indignada.
- Hoje só tem bolo minha fia – Disse calmamente a senhora de cabelos grisalhos.
- Os bolos da senhora são muito bons, o meu favorito é o de Fubá, mas hoje a gente só quer mesmo os docinhos de coco que a senhora sabe fazer tão bem. Não tem nenhumzinho mesmo?
- Não minha fia – Disse a senhora, um pouco melancólica. – Eu peço até desculpas, vocês devem ter vindo de muito longe pra poder comer um saroio, mas hoje só tem bolo infelizmente.
- Ah! Não precisa se desculpar senhora – Disse Joel. – Nós comemos qualquer coisa.
- Bem, eu não gosto de bolo, mas se tiver um copo de leite eu já fico feliz – Disse Leopoldo.
- Leite de vaca! Porque eu jamais tomarei leite de coco de novo.
- Ahhh! Que pena, você fica mais legal quando bebe leite de coco.
- Vai se ferra Synth.
- Não, sou eu que tem de se desculpar aqui – Disse Taelin. – Por estar insistindo tanto nisso... Me desculpe, é que todo dia a senhora faz doces e justamente hoje, o dia que trouxe meu pai e os seus amigos pra cá não tem.
- Bem minha fia, já faz um tempinho que eu não faço um doce.
- Por que?
- Pela falta de coco, ninguém mais vai na floresta tirar eles, tudo por causa do monstro.
Ao ouvir aquela palavra de sete letras um largo sorriso se abriu no rosto de Synth.
- A senhora disse monstro?
- Sim meu fio, um bicho ruim que apareceu na floresta e tá matando quem entra lá agora.
- Interessante, conte-me mais – Disse Synth, tentando esconder sua empolgação perante um novo oponente, porém sem sucesso.
- Não fique tão animado papai, provavelmente essas pessoas morreram porque um coco caiu na sua cabeça.
- Hahaha! Não seja tola minha filha, quem morreria de um jeito tão estupido?
Ainda dando gargalhadas Synth olha pra velhinha, esperando que ela concordasse com a sua fala, porém não foi o que aconteceu.
- Eu não posso dizer que isso não acontece, mas dessa vez as mortes foram causadas por um monstro.
- Por que a senhora tem tanta certeza que foi um monstro? – Indagou Leopoldo.
- Bem meu fio, você já viu um coco fatiar alguém em vários pedaços?
- Dona Maria, eu já vi tanta coisa estranha nesse mundo, que se eu fosse a senhora não duvidaria de nada – Logo após dizer isso, um vento forte passa por cima da cabeça de Leopoldo e o esqueleto rapidamente começa a alisar o seu crânio, como se estivesse tentando arrumar o cabelo bagunçado.
Synth se aproxima da velhinha e coloca a mão em seu ombro – Não se preocupe Dona Maria, amanhã eu e os meus queridos amigos daremos um fim a esse terrível monstro e traremos os cocos de volta a sua cozinha.
- Traremos?
- Mas é claro Leopoldo ou você não pretende ajudar essas pobres pessoas?
- E você pretende ajudar de graça? – Disse Joelsun, com os olhos semicerrados.
O aventureiro para por alguns segundos e volta a falar, mas agora com um largo sorriso malicioso no rosto.
- Mas é claro, eu jamais cobraria por uma missão como essa.
Taelin olha com profunda admiração para o seu pai, enquanto que Leopoldo e Joel olham pra Synth com desconfiança, afinal os dois conhecem muito bem o aventureiro e conhece ainda melhor a sua ganancia.
Estou tão entediado que aceitaria fazer essa missão de graça, caso não pudessem me pagar e justamente por isso tomei a dianteira e não exige nada, pois dessa forma irei ganhar alguns pontinhos com a minha filhinha também. Descer a montanha de areia em um peixe foi divertido e serviu como um delicioso tira gosto, porém, apenas uma boa e velha trocação de soco desenfreada irá me satisfazer. Seja lá qual for o monstro que estiver nessa floresta, só espero que ele possa me proporcionar uma luta descente.
- Ohh! Meu fio – Disse a Dona Maria. – Se você conseguir mesmo derrotar aquele bicho, você e os seus amigos poderão de comer de graça aqui sempre que quiserem.
Enquanto Synth e os demais conversavam, uma formiga ouvia tudo tranquilamente sentada em sua mesa, porém ao ouvir o aventureiro dizer que derrotaria o monstro da floresta, o inseto ficou extremamente irritado, pois os guerreiros da sua raça foram completamente derrotados pela terrível criatura que habita a floresta, então o que um reles humano poderia fazer.
A formiga ficou tão revoltada com a prepotência de Synth ao dizer aquilo, que imediatamente se levantou do chão, foi até ele e disse.
- Humano se você conseguir derrotar esse monstro, o que eu julgo ser impossível, eu lhe darei algo mais precioso do que um vale refeição eterno. Eu lhe darei a minha anteninha direita.
Todos presentes na doceria ficaram espantados com a proposta, exceto por Synth, Leopoldo e Joel que não entendiam quão preciosa poderia ser a antena direita de uma formiga humanoide. Synth se inclinou para perto da Dona Maria, colocou a mão na frente da boca e disse baixinho.
- Eh! Essa anteninha é mesmo muito valiosa?
- Meu fio, a anteninha das formigas é tão importante pra elas, quanto o seu piupiu é pra você.
- Caralho, isso explica porque todo mundo ficou surpreso, mas aí, eu posso usar ela pra que?
- Bem, as anteninhas das Tanajiuras funcionam como uma bússola, que te levam até o bem mais precioso do deserto, a água.
Ao ouvir aquilo um largo sorriso de satisfação abriu-se no rosto de Synth, que muito rapidamente estendeu a mão para poder cumprimentar a formiga e quando ela o cumprimentou, o aventureiro disse.
- Acordo fechado formigão, aproveite bem as suas últimas horas com essa anteninha.
- E você aproveite bem as suas últimas horas de vida – Dito isto a formiga foi embora.
Passado algum depois da formiga ter ido embora e todos terem se acalmado, Dona Maria serviu bolo de fubá e café com leite para os aventureiros, Leopoldo ficou curioso para saber qual seria o gosto de leite com café, pois nunca havia provado essa mistura e nem sabia que era possível misturar os dois. Leopoldo pegou o pó de café, jogou dentro do seu copo de leite e o virou de uma só vez, quando terminou de beber tudo o esqueleto passou a mão sob a boca para retirar o bigodinho de leite.
- Hm! Não vi diferença – Disse o esqueleto com desdém.
- Ei! Leopoldo, os seus dentes estão sujos – Disse Joelsun, após devorar um pedaço de bolo tão grande, que ele precisou fazer força para que o pedaço passasse pela garganta.
- Sujos? – O esqueleto então esfregou os seus dentes com o dedo indicador e tomou um grande susto, ao que o seu dedo ficou completamente preto.
Assustado, Leopoldo rapidamente sacou sua adaga dourado para usa-la como espelho e ver como estavam seus dentes, e foi aí que o esqueleto entrou em pânico total, pois os seus dentes tão branquinhos estavam agora pretos feito carvão.
- SYNTH! SYNTH! SYNTH! MEUS DENTES ESTÃO PODRES! ELES VÃO CAIR? ELES VÃO CAIR!!!!!!!
- Eu não quero ficar banguela, Synth – Disse o esqueleto soluçando de tanto chorar, mesmo que não desce para ver as suas lágrimas.
- Acalma-se seu esqueleto maluco, seus dentes não estão podres, isso aí é o pó de café que você esqueceu de misturar antes de beber.
Synth pega um pano de prato e joga na cara de Leopoldo – Passe o pano na boca e os seus dentes voltaram ao normal. O esqueleto fez isso e o seus dentes ficaram brancos novamente.
- Pra sentir o gosto do café, você precisa mexer bem antes – Disse Synth, mexendo a sua xicara de café com uma colher.
- Tudo bem, vou tentar mais uma vez – Dito isso, Leopoldo pegou o pó de café novamente, jogou dentro do copo com leite e mexeu por um longo tempo, ele só parou de mexer quando Synth disse que já estava bom. Em uma única virada, Leopoldo bebeu o copo inteiro e logo depois bateu o copo vazio sobre a mesa, com bastante força.
Após provar o leite com café o esqueleto ficou parado, batendo os dentes de leve, quase como se estive degustando a bebida.
- Eai? – Disse Taelin, querendo saber a opinião de Leopoldo.
- É maravilhoso! Essa bebida é tão boa que valeria a pena ter perdido os dentes.
- Fico feliz que tenha gostado – Disse a Dona Maria.
- Ahhh! Mas não devia, pois agora Dona Maria eu só irei parar de beber quando o Leite ou o café acabar.
- Tenha calma Leopoldo – Disse Synth, sorrindo. - Deixe pra exagerar amanhã depois que tivermos derrotado o monstro
Depois do jantar, Dona Maria levou o grupo de aventureiros para passarem à noite na sua casa, na casa havia dois quartos de hospedes, um deles ficou com Taelin, enquanto que Synth, Leopoldo e Joel teriam de dividir o outro. Como não havia a mínima possibilidade de caber os três em uma única cama, Synth sugeriu então que eles decidissem no ‘’Par ou ímpar’’ Quem iria dormir no chão, e ele acabou se arrependendo de ter dito isso depois de perder para Joelsun. Synth estava tão empolgado com a luta do dia seguinte, que quase não conseguiu dormir naquela noite.
No outro dia, a Dona Maria fez um café da manhã reforçado para que Synth e os demais fossem enfrentar o monstro da floresta de barriga cheia. E, após devorarem todo o cuscuz com carne de sol e ovo, o grupo enfim partiu. Na frente do formigueiro há um enorme canavial de canal, que as formigas usam para fabricar açúcar, Synth e o pessoal levaram quase uma hora para atravessar o local. Logo depois do canavial vem uma enorme plantação de mandioca, felizmente o grupo de aventureiros conseguiu atravessar o local em menos tempo do que o anterior, e ao saírem do meio das mandiocas eles se deparam finalmente com a floresta de coqueiros.
De fato, aquele monte de coqueiros juntos criaram uma enorme e até bem que escura floresta, as enormes folhas das palmeiras impendem que a luz do sol sorridente ilumine o ambiente, salvo em alguns lugares onde as folhas estão mais separadas e a luz consegue penetrar, porém a luz que entra é tão fraca que nenhuma vegetação é capaz de crescer e por esse motivo, não há vegetação rasteira ou arbusto, não, apenas areia fina e fofa como no resto do deserto.
Outro ponto há se exaltar é o barulho das folhas balançando, o barulho chega a ser de certa forma relaxante, não tanto quanto a música do ‘’Caravan Palace’’ Mas é um som bem agradável de se ouvir. Além disso o barulho das folhas balançando é alto, muito alto, tão alto que camufla perfeitamente o som de um coco caindo, e bem, eu desdenhei do pessoal que morreu sendo atingido por um coco na cabeça, porém devo dizer que se não estivesse usando essa armadura feita pelas aranhas ferreiras, eu poderia está morto.
Graças a habilidade passiva da minha armadura, o ‘’Sentido Aranha’’. Eu consigo prever o coco vindo na minha direção, sem ela não sei se seria capaz de me proteger a tempo, ou se conseguiria ao menos ouvir o barulho do coco caindo. Pois bem, por conta dessa ameaça silenciosa, eu, Leopoldo e Joelsun, que também possuem essa habilidade em suas armaduras, passamos a andar com os braços cruzados sob a cabeça, como se fossemos prisioneiros, para podermos nós proteger de qualquer ameaça que venha de cima.
Andamos por um bom tempo na floresta, porém não encontramos nenhum sinal do monstro que supostamente mora aqui, não vimos nenhuma pegada, nenhum cadáver, nem mesmo uma poça de sangue se quer encontramos, nada não havia nada além de coco seco e folha seca de palmeira no chão. Quando eu estava começando a ficar desanimado, pensando que não conseguiria arrumar uma boa luta nessa floresta, eis que somos agraciados com uma cena que comprovava a existência de um monstro.
A nossa frente havia uma verdadeira cena de carnificina, corpos de humanos e Tanajiures cortados em vários pedaços; grandes e pequenos, largos e estreitos, havia pedaços de todas as formas e tamanhos espalhados pela areia lavada com sangue vermelho e verde. Ao ver essa cena tão visceral, minha filha não suportou e acabou vomitando ali mesmo, na frente dos cadáveres desmembrados.
- Filha! – Disse Synth correndo em direção a Taelin. – Você está bem?
Após um breve momento de silêncio, ela responde - ...Sim, eu só estou um pouco... assusta, preciso... me recuperar do choque. - Com a mão cobrindo a boca suja, Taelin se afastou dos corpos, em seu rosto estava estampado um olhar de medo e nojo.
Eu já esperava por isso, ver cenas como essa foi um dos motivos que fizeram meus filhos abandonarem a vida de aventureiro, para aguentar ver coisas como essa você tem que ter um estomago de aço, ou não ter um estomago como é o caso do Leopoldo. Pensando bem, agora fiquei curioso, se Leopoldo ficasse com nojo de alguma coisa, ele vomitaria leite? ... Sinceramente não sei se quero saber a resposta.
- Tem certeza que ela vai ficar bem, Synth? – Disse Joelsun, preocupado.
- É claro, ver uma cena como essa pode abalar o espirito de alguém, mas não destruí -lo. Eu conheço a minha filha e por isso sei que ela só precisa de um tempo para se recuperar do choque.
- Se você diz...
- Ei! Galera – Disse Leopoldo, chamando a atenção dos dois para os corpos. – Tem algo de estranho aqui.
- Estranho seria não ver nada de estranho nessa cena, Leopoldo – Disse Synth.
- Vejam, os corpos foram mutilados, porém nenhum deles foi comido pois não há ossos aqui ou indícios de que um monstro ou animal esteve aqui.
- Vai ver ele não estava com fome e só matou para se proteger – Disse Joel.
- É uma possibilidade – Disse Synth. - Mas mesmo se esse fosse o caso, o monstro estaria aqui protegendo a sua comida. Ainda mais se ele estiver com o buxinho cheio.
- Bem, então por que ele não está aqui? – Indagou o pequeno sapinho.
- Vai ver ele ainda estar caçando – No momento exato em que Leopoldo terminou de pronunciar suas palavras, um grito estridente ecoou pelos coqueiros até chegar aos ouvidos dos três aventureiros, Synth logo entrou em desespero pois aquele grito era sem sombra de dúvidas da sua filha.
Não demorou muito para que os três encontrassem Taelin, e para a felicidade de Synth sua filha estava bem, entretanto, ela estava sentada na areia, gritando em pânico enquanto passava as mãos freneticamente no cabelo, como se quisesse retirar a força algo preso nele. Como a floresta é escura, Synth não conseguiu ver o que tinha no cabelo de sua filha para deixa-la tão histérica, entretanto, ao se aproximar um pouquinho mais dela, ele começou a sentir o terrível cheiro do sangue, que cobria os cabelos dourados de Taelin.
Institivamente Synth e os outros olham para cima, afim de descobrir de onde aquele sangue estava vindo, o sangue escorria da cabeça dividida em duas partes, de um cadáver preso nas folhas do coqueiro. ‘’Como ele foi parar lá em cima?’’ Essa pergunta permeava a mente dos três aventureiros, entretanto Synth não tinha tempo para pensar em uma resposta agora, pois ele precisava tirar urgentemente sua filha debaixo daquele coqueiro, antes que ela se torna-se completamente ruiva.
Longe do coqueiro, Synth pegou o seu cantil e, bem lentamente, derramou toda a água sobre a cabeça de Taelin, para que ela pudesse lavar o seu cabelo ensanguentado. A arqueira esfregou os seus cabelos com tanta força, que alguns fios dourados foram embora junto com o sangue. Entretanto, mesmo se banhando com água e esfregando com força, o terrível cheiro de ferrugem não saiu do seu cabelo.
- Filha – Disse Synth, após ver que Taelin estava mais calma. - Eu sei que isso tudo foi demais pra você, então se quiser voltar para o formigueiro pode ir, eu não irei te julgar. Não se preocupe com o monstro, a gente dá conta dele tranquilamente.
Por um momento Taelin cogitou a opção de ir embora daquele lugar, ela estava muito assustada e principalmente incomodada com o cheiro do seu cabelo, o cheiro daquele pobre miserável preso no coqueiro, contudo, ela sabia que se fizesse isso não teria volta.
- Eu agradeço papai – Disse Taelin, se levantando do chão. – Mas não posso ir embora.
- Afinal, se eu não for capaz de suportar ver uma cena como essa, então como irei derrotar o Faraó?
Um largo sorriso de orgulho se abriu no rosto de Synth – Essa é a minha filha! Vamos lá! Vamos acabar com esse monstro e pegar aquela anteninha.
Passando pelos cadáveres retalhados, o grupo seguiu em enfrente. Pouco tempo depois, eles se depararam com ossos humanos espalhados pela areia, os ossos formavam uma trilha e seguindo ela, os aventureiros são levados até uma clareira onde havia algo muito peculiar lá.
Bem no centro daquela área aberta, sendo iluminado pelos raios do sol sorridente de uma forma que parecia ser a única árvore da floresta, havia um coqueiro. Um coqueiro baixo cujo o tronco e as folhas são brancas como a neve, os cachos de coco por outro lado não são brancos e tão pouco verdes, mas sim azuis. Os cocos são tão azuis que olhando de longe pareciam cachos de safiras, só de imaginar essa possibilidade Synth abriu um largo sorriso no rosto.
- Coco bonito – Disse Leopoldo. – Me deu até vontade de comer, mesmo sabendo o que vem depois.
- Que tipo de coco é esse, minha filha?
- Eu não sei, nunca ouvir falar de coco azuis, deve ser uma nova espécie, ainda desconhecida.
- Hmm! Uma fruta desconhecida – Disse Joel, com sorriso de canto de boca. - Estou louco para ser o primeiro a conhecer o seu sabor.
Synth abre um largo sorriso e começa a caminha vagarosamente em direção ao coqueiro.
– Hahaha! Só não vá comer tudo Joelsun, pois se essa fruta for mesmo desconhecida, poderemos vende-la por um preço bem ‘’Camarada’’.
- Ei! Synth – Disse Leopoldo. – Esse não é o momento para perde tempo com besteiras, já se esqueceu que estamos caçando um monstro sanguinário aqui?
- Claro que não Leopoldo, mas que mal teria em pegar um coco?
Assim que o pé de Synth afundou na areia fofa novamente, sua pergunta foi respondida, porém não da forma como ele desejava. O que aconteceu foi o seguinte, enquanto caminhava Synth foi atingido por um flash de luz na altura do peito, o flash o cegou imediatamente e fez com que ele cambaleasse para trás, mas sem se virar. Junto com o flash veio um som, um sol bastante familiar aos ouvidos do aventureiro e alto o suficiente pra se destacar em meio ao barulho relaxante das palmeiras.
- Papai! O senhor está bem?! – Disse Taelin, aflita e com um leve incomodo nos olhos, causado pelo flash de luz.
– Que filho da puta! – Disse Synth, surpreso e irritado ao mesmo tempo.
Ao se virar para sua filha e os demais, Synth mostra o motivo da sua indignação e todos ficam espantados assim como ele ficou. No peitoral da sua armadura de teia de prata, há o desenho do rosto de um leão feito com pó de ouro, que, após o flash de luz acabou ganhando uma cicatriz no nariz.
- O monstro me acertou – Disse o aventureiro.