Capítulos (2 de 5) 01 Apr, 2022

Capitulo 1 - pags 01-04

— Mãe! Mãe! Mãe! – Um garotinho entrou gritando cozinha, seus chinelos ecoaram, assustando a mulher que misturava fubá e outros ingredientes em um tacho sobre a mesa. – Eu tenho um novo amigo!

A mulher levou a mão ao peito para acalmar as palpitações, largando a colher de pau, ela não sabia de onde seu filho tirava tanta energia mesmo depois da aula.

— Que bom meu anjo. – A mulher disse com voz suave, fazendo um gesto para que o pequeno se aproximasse. – Guarde sua mochila e venha ajudar a mãe a fazer um bolo de cabo-de-madeira.

O menino acenou e correu para deixar a mochila em seu quarto, a mãe ouviu ele tropeçar, pelo gemido ele deve ter batido em algo, mas voltou logo para se agarrar a barra da saia de sua mãe, os olhos brilhando de anseio posto que apenas uma vez no ano sua mãe fazia aquela receita para o Festival de Santa Bárbara.

A cozinha era simples, de tijolos expostos, acinzentados pela fumaça do fogão à lenha, mas o cheiro de barro e lenha era para o pequeno o sinônimo de lar.

— Me conta do seu novo amigo. – A mãe disse retornando ao serviço, dando ainda alguma atenção ao menino, ele sorriu seu mais largo sorriso e contou o ocorrido à sua mãe.

Era hora do recreio. A melhor parte de ir para a escola era o intervalo. Não que estudar fosse ruim, só não era tão intrigante quanto tudo o que existia para ser visto e sentido do lado de fora, da sala, das paredes da casa que servia de escola, das cercas, dos limites da cidade, e além.

Foi assim que, ao correr porta afora da sua sala quando o sinal tocou, Davi com seus cabelos desgrenhados atrapalhando a sua visão, se chocou contra um menino menor.

Davi já estava acostumado com a situação. De verdade. Era rotina trombar com seus coleguinhas pelo único corredor da escola primária. E como de rotina, os coleguinhas caiam no chão e choravam. O garoto esperou que o outro começasse o rompante, mas em vez disso, o menino de cabelos escuros devidamente alinhados apenas verificou suas roupas, franziu o cenho e continuou o seu caminho.

— Ei, ei, ei. – O menino maior correu atrás do outro. – Eu sou o Davi.

— Pedro.

Davi olhou para Pedro, sua roupa social, com gravata e tudo, coisa que nenhuma criança, nenhuma mesmo, jamais havia usado para ir àquela escola. Davi nunca havia visto o menino. Ele tinha uma pele bronzeada e olhos eram de um verde escuro, marcado por traços verde água, diferente dos olhos âmbar e dourados de todos os outros.

— Você é novo. – Constatou Davi.

— Não sou! Eu já tenho sete anos. – Apontou o menino encabulado.

Com isso Davi desatou a rir, enquanto Pedro envergonhado saiu a passos rápidos de perto do menino que estava se dobrando segurando a barriga de tanto rir.

? Davi! Isso não é coisa que se faça! – A mãe de Davi, dona Lurdes, interrompeu o tagarelar do menino. – Você tem que pedir desculpas para o menino Pedro quando você o encontrar.

— Mas mãe! – Davi cruzou os braços com um muxoxo. – Eu ainda não terminei de contar a história.

— Me desculpe meu filho, continue, mas antes vá pôr fogo no forno, sim?

Antes que terminasse de falar, o menino já estava correndo quintal afora para aquecer o forno de barro.

Então, com as bochechas doendo de rir, e os olhos ardendo de chorar, Davi correu para o pátio da escola procurando por Pedro. No pátio improvisado, as crianças das quatro turmas da escola brincavam. Davi avistou Pedro com certa facilidade, sem contar a aparência, o menino era o único que não estava compartilhando dos brinquedos.

— Te achei! – Davi gritou, correndo na direção do menino que estava recostado contra o cercado da escola.

— Pra quê?

— Bem... é que eu, não sei.

Pedro parecia ter achado muito algo interessante no chão por não olhar para Davi.

— Me desculpa. – Davi disse, e isso por fim fez que o menino mais novo desviasse o olhar para encarar Davi, sem, no entanto, dizer nada em resposta.

— Eu, sempre acontece, me desculpa, eu. – Davi gesticulou com mãos nervosas. Ele parou um pouco vendo que Pedro mantinha expressão neutra, respirou fundo, e disse a primeira coisa que veio à mente. – Eu sou uma anta.

— Eu sou o Pedro.

Davi atônito, ficou de borca aberta, enquanto Pedro soltou um riso abafado.

— Isso é bem você. – A mãe afagou o emaranhado dos cabelos do filho. – Fez bem em pedir desculpas. Então vocês ficaram amigos?

— Sim! É o meu primeiro amigo! – O menino disse inocente, para o qual a mãe olhou com certo desalento. Seu anjinho era sempre sorridente, energético, curioso, e propenso a se machucar, ela não sabia se ficava feliz com essa perspectiva. – Posso ir brincar lá fora?

— Claro meu anjo, mas volte a tempo para o almoço!

A porta da rua bateu antes que a mãe terminasse de falar. Hoje o dia vai ser grande — A mãe pensou.

Davi sempre correu. Sua mãe disse que mal ele tinha dado o primeiro passinho, no outro minuto ele já estava correndo pela casa. Para Davi tudo era rápido demais, tanta coisa pra ver em tão pouco tempo, ele não gostava de correr, mas era preciso. Pedro foi a primeira coisa que fez ele parar.

Em Ribeirão das Dores, havia umas mil pessoas, até onde Davi tinha contado. Ele sabia o nome de quase todos. Pela manhã, antes de voltar para a aula, Davi perguntou a Pedro onde este morava, o qual respondeu: — Com os Pelegrini.

Davi parou em frente a um portão e olhou para a casa em que Pedro estaria. Era a melhor casa da comunidade, a maior. O povo de Ribeirão gostava de cores, todas as casas, até as mais pobres, eram coloridas, mas o casarão dos Pelegrini era branco puro.

Ainda estupefato, Davi permaneceu em frente à casa, na esperança de ver Pedro em algum lugar.

— Está fazendo o que aí, menino? – Um homem de barriga saliente, bigodes lustrosos, e botas de cavalgada, perguntou.

— Estou procurando o Pedro. – Davi respondeu de imediato. Não havia porquê mentir. Apesar de ele já ter sido enxotado de alguns outros lugares, uma, ou duas – talvez três – vezes.

O homem ruminou enquanto ajeitava os bigodes espessos, perscrutando a figura magrela que era Davi.

— De quem você é?

— Da Loudez, da parte baixa do rio. – Davi respondeu.

— Dona Loudez, grande mulher! Cozinheira de mão cheia! – O homem disse pomposo, soltando uma gargalhada no final. – Diga menino, vai ter os quitutes dela no Festival hoje?

— Vai sim senhor, ela passou a manhã toda fazendo! – Davi disse orgulhoso. O dinheiro que a mãe conseguiria no festival dava “pra passar o mês”, o que era muito mais do que ela conseguia lavando roupas.

— Olha, o menino Pedro não pode sair agora, mas eu vou leva-lo ao festival, você pode encontrar com ele lá. – Disse o homem ao abrir o portão.

Davi ficou olhando o homem, que trancou o portão e acenou uma despedida.

E a noite tardava chegar. Para Davi o tempo nunca passou tão devagar, ainda assim ele se resignou a olhar o morro que se distinguia no horizonte, na esperança que o Sol se escondesse logo.

— Dazin venha cá! – A voz da mãe de Davi o tirou de sua letargia.

— ‘Tô aqui! – Davi respondeu, correndo para atende-la.

— Não ouvi barulho seu, achei que havia saído sem avisar. – A mãe disse enquanto arrumava os bolos enrolados na folha de bananeira nos cestos. – Se apronte que já já a gente vai subir para a praça.

Depois de ter posto seu melhor chinelo, o menino correu de volta para a mãe, que o entregou quatro cestinhos de vime, enquanto ela mesma carregava três cestos grandes.

O Festival de Santa Bárbara era o predileto de Davi, como acontecia à noite, com todas as lamparinas acesas, as cores das residências ao redor ficavam ainda mais vibrantes.

Na tenda de Dona Tança, com a qual a mãe de Davi compartilhava o ponto, já estava armada. Davi ajudou a mãe a organizar os forros de renda nas bandejas para poder colocar os bolos para vender. Mal havia terminado o serviço, e Davi já estava correndo por entre as tendas, procurando por Pedro.

Davi avistou o homem bigodudo com quem havia conversado pela manhã, mas nem sinal de Pedro, quando uma mão o agarrou pelo pulso, puxando para o lado oposto. Pelo tamanho da mão, Davi já sabia quem era. 

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