Capítulos (1 de 5) 18 Apr, 2022

Capitulo 1 - pags 05-08

— Ei, ei, ei. – Davi reclamou. – Tá indo onde?

— Eu não posso demorar. – Pedro sussurrou apressado. – Seu João me deu só uns minutos para eu comprar algo e voltar.

— Bora na tenda de minha mãe! O bolo dela é o melhor!

Pedro balançou a cabeça exasperado, olhando para todos os lados, deixou algo na mão de Davi, e correu de volta para quem Davi saberia depois ser o João Pelegrini. Davi se aborreceu, ele queria aproveitar o festival com o novo amigo, ele voltou desanimado para a tenda da mãe, amuado em um canto o menino olhou o que Pedro havia o entregado. Era uma pulseira de linha, o menino sorriu, ao que parece verde era sua nova cor predileta.

Anos depois, as memórias daquela infância se tornariam agridoces, antes de desaparecem numa espiral de fractais. Mas, por oito anos, que passaram vertiginosamente rápidos para Davi, os dois meninos não eram mais vistos um sem o outro.

Mesmo mudando de escola no ano seguinte, Davi encontrava Pedro todos os dias, afinal a escola era logo no final da mesma escola de Pedro. Davi acompanhava Pedro ida e volta, e, com frequência cada vez maior, conseguia fazer com que Pedro se esgueirasse da casa dos Pelegrini para irem brincar em qualquer outro lugar.

Pedro foi o primeiro amigo de Davi, e o único por muito tempo. Nenhuma outra criança conseguia acompanhar os rompantes de Davi, ele falava demais, alto demais, sobre coisas que seus colegas não tinham interesse, mas Pedro sempre o ouvia com brilho nos olhos. Davi às vezes sentia medo, de que Pedro apenas o tolerasse porque talvez se sentisse sozinho, pois ninguém também se aproximava do menino mais novo, mas Pedro segurava a mão do amigo quando queria falar algo, e logo Davi era quem ficava fascinado.

Pedro, no começo, era de poucas palavras, e Davi não pressionava. Qualquer coisa nova que o menino mais velho aprendia, ele logo corria para contar a Pedro. E, com o tempo, Pedro passou a fazer o mesmo.

Quando Davi sentiu a primeira onda de energia se desprender de seu corpo, como um choque que percorria seu corpo e ecoava como estalos-de-salão, ele entrou em pânico, e evitou Pedro por uma semana, até que este o encontrasse escondido atrás de um Ipê no alto do morro que eles sempre brincavam.

— Eu te fiz algo? – Pedro perguntou tristonho e Davi se pôs a chorar desenfreado.

— N-não. Eu, sou eu... – Davi tentava dizer em meio a soluços.

— Você pode me contar, afinal, eu sou seu melhor amigo. – Pedro disse e Davi no mesmo momento ficou mudo.

Um melhor amigo! – Davi até se esqueceu do problema que o estava perturbando. Em todos os seus doze anos, Davi nunca havia tido um melhor amigo, e por isso se encontrava extasiado.

— Então? – Pedro perguntou quando o amigo demorou a reagir.

— Eu tenho esse... esse treco, que tipo faz “pow” e “pan”, e quando é grande faz “kapow”?

— Você está me perguntando se você tem uma arma? – Pedro olhou para o amigo sem entender nada em absoluto.

— Não! – Davi berrou constrangido.

Olhando ao redor, por precaução, Davi fechou os olhos se concentrando, enquanto Pedro observava. Pedro sentiu algo como um sopro, mas conforme a brisa se intensificava, ele percebeu que não era só isso, até que ele ouviu estalidos, primeiros baixos, como galhos quebrando, e depois mais altos até soarem como um “kapow”. Davi abriu os olhos, esperando a reação do amigo.

— É isso?

— Como assim “é isso”? - Davi perguntou perplexo. – Eu tenho esse... essa coisa que faz barulho, tipo, será que é alguma entidade tentando se comunicar?

Pedro até tentou, mas não conseguiu conter a gargalhada que o possuiu, e quando mais o garoto ria, mais confuso e envergonhado Davi ficava. Quando Davi já estava irradiando seu aborrecimento, Pedro parou e respirou fundo.

No momento seguinte, a terra em frente a Pedro estava se revolvendo e se moldando formando um amontoado que lembrava de forma vaga uma casa, ou Davi achava que era uma casa, ele nunca havia visto uma casa com o teto cônico.

— Entendeu agora? – Pedro perguntou.

— Mas... não, o meu treco é diferente do seu.

— Bora sentar um pouco e eu te explico.

Então, com ambos protegidos sob a copa do Ipê, Pedro, pela primeira vez contou sobre o lugar de onde ele veio, e o que era o “treco” que Davi tinha.

Pedro veio de uma comunidade chamada Itapuã, eles não eram muitos, e viviam numa área difícil de acessar, no alto de uma escarpa. Seu nome era Pedro Malaquias, mas quando os Pelegrini o adotaram tiraram o nome dos pais e ele virou Pedro Pelegrini.

Davi queria saber onde estavam os pais de Pedro, mas como o amigo não tocou no assunto, ele resolveu não perguntar.

Na comunidade, todos tinham essa habilidade, de controlar a terra, alguns controlavam areia, a maioria conseguia construir coisas apenas com essa habilidade, outros não conseguiam, mas conseguiam modificar a constituição da terra, deixar mais fofa ou mais consistente. E assim, toda a Itapuã foi construída. Davi pensava maravilhado, como seria um lugar assim, cheio de pessoas com o mesmo “treco”. Pedro o corrigiu, não era “treco”, era como um poder, um homem na comunidade havia ido para a cidade grande uma vez e voltado cheio de cacarecos, mas também de livros, e de termos da cidade, diz ele que todos por lá tinham algum tipo de poder, e que eles eram chamados de “Turra”, o que o povo de Itapuã riu, porque na língua deles “turra” era uma pessoa teimosa.

— Turra... – Davi suspirou. – Então existem outros assim!

— Isso. – Pedro replicou com um sorriso triste.

A partir de então, os encontros dos dois amigos, em vez de gastos em brincadeiras, passaram a ser dedicados a aprender a controlar seus poderes.

A mãe de Davi descobriu o poder do filho, descobriu, porque o garoto não contou pra ela, mesmo um ano após ter descoberto a habilidade. Então ela contou a Davi que a maioria do povo de Rio das Dores tinha poder parecido, e quando o menino perguntou o porquê ninguém usava o poder, a mãe deu a última resposta que Davi podia ter pensado: o povo não conseguia usar o poder para nada útil.

— Meu poder não é inútil! – Davi repetia, andando agitado de um lado para o outro em frente a Pedro que continua impassível, sentado sob o Ipê. – Não é!

— Claro que não é. – Pedro tentou acalmar o amigo, mas o outro praticamente fumegava, então ele desistiu.

— Deve ter um jeito! Eu já controlo bem, mas deve ter um jeito de ficar melhor, de servir para algo.

Apesar de não responder, Pedro ficou com a ideia ficou ruminando em sua mente.

— Anda logo sua anta! – O garoto menor sussurrou alto enquanto arrastava Davi pelas ruas escuras ainda inanimadas numa madrugada de setembro.

— Pedro, o sol ainda nem raiou homem do céu! – Davi sussurrou de volta, o que ao seu estilo era a mesma coisa de estar gritando.

— Mas você sabe que dia é hoje? – Pedro retorquiu com um sorriso matreiro, quando os olhos de Davi brilharam de alegria e outra emoção que Pedro não sabia distinguir ainda, Pedro continuou. – Hoje, quando as primeiras luzes de sol tocarem o ipê no alto do morro, ele vai brilhar em duas cores diferentes! Não é incrível?

— Ah. Isso. – Davi murchou um pouco.

— Vamos logo! – Pedro fingiu não perceber a desanimação do amigo, e sorriu para si mesmo, estava tudo de acordo o plano.

Davi sempre fora o mais alto dos dois, mas seis anos depois do primeiro esbarrão deles, ele era quase trinta centímetros maior. Pedro, com treze anos agora, não havia crescido quase nada desde que tinha dez anos. E isso entrava para a lista de coisas que Davi e Pedro não haviam em comum. Davi também era mais esguio, mas vivia dizendo que gostaria de ser mais forte assim como Pedro, coisa que Pedro retrucava perguntando se Davi o estava chamando de gordo, no qual Davi apenas respondia que sim, e que Pedro era lindo.

— Cansou? – Davi perguntou, tirando o amigo dos devaneios.

— Como assim? – Pedro olhou confuso, eles estavam quase no topo do morro.

— Você está todo vermelho. – Davi apontou.

Pedro só sentiu o rosto arder de vergonha, e caminhou ainda mais rápido morro acima, o sol tocando a copa do Ipê logo a frente. O garoto caminhou, apanhando a cesta depositada sobre o Ipê, retirando dela um forro e estendendo o pano no chão.

Quando Davi finalmente o alcançou, Pedro já estava sentado, organizando bandejas de sanduíches, docinhos, e um bolo de chocolate. Davi se sentiu lacrimejar.

— Não precisa ficar todo emocional. – Pedro disse, com as bochechas inflando. – Você sabe bem que esse Ipê é de uma cor só.

— Você preparou isso tudo para mim? – Davi disse com a voz quase num sussurro, o que era impressionante para Pedro, Davi nunca sussurrava de verdade.

— Claro que não, eu fiz para mim, ser o seu aniversário de quinze anos é só uma coincidência.

— Sei. – Davi disse se arremessando ao lado de Pedro, e quase derrubando tudo no processo. Pedro queria ficar bravo, mas não tinha como ficar bravo com Davi 

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