Capítulos (3 de 5) 18 Apr, 2022

Capitulo 1 - pags 13-16

como o seu príncipe, Davi realmente achou que Pedro iria responder, mesmo quando Davi repetiu que o amava e o abraçou apertado, Pedro não disse nada de volta.

E um mês depois – trinta e três dias, dezessete dias depois da última vez que eles se falaram, Pedro o havia abandonado. Talvez Davi estivesse exagerando. Talvez Pedro iria mandar uma carta explicando tudo. Talvez ele voltasse logo, talvez nas férias. E tudo seria resolvido. Tudo ia ficar bem.

Pedro não voltou. Davi se enfiou em livros, para estudar para o vestibular da Setemptrionalem, e de coisas aleatórias, apenas para distrair seus pensamentos, e ele descobriu sua paixão pela leitura.

Davi já sabia quando as inscrições para o vestibular se iniciariam, então ele juntou o dinheiro para que ele pudesse ir até a Vila de Sant’ana fazer a inscrição pela internet. Seis meses depois ele sentaria trepidando de ansiedade para responder às 200 questões do ENCC. E com mais dois meses, ele iria à Carapiúna, com a benção da sua mãe, e confiança no olhar. Até aquele momento de seus dezoito anos, Davi havia se recusado a ver o lado negativo das coisas. Mesmo quando seu mundo havia desabado e ele não tinha mais ninguém, como amigo, ele ainda tinha esperança que as coisas se resolveriam, que um dia ia ser como ele sonhou. Ele não sabia que seu mundo podia ser destruído, em todos os sentidos.

Davi havia ficado exultante com sua nota, havia tanto tempo que ele não se sentia feliz de verdade – um ano, nove meses, e vinte e um dias, para ser preciso. O pop-up nem era chamativo, “Víbora espalha terror em Igaratí”. Davi pensou duas vezes antes de clicar na notícia. As imagens eram de destruição total, como Davi havia apenas passado o olho pela manchete, ele não leu que “Víbora” era uma bomba, a realização só o atingiu quando ele reconheceu sua escola em chamas, então ele procurou, e encontrou, uma lista de lugares atingidos, dentre eles eram seis cidades pequenas, incluindo comunidades locais, o número de mortos ainda estava sendo contabilizado, mas o nome de Rio das Dores estava lá.

O rapaz correu porta afora da lan-house, mal chegando na calçada ele não viu o mundo rodar, nem se apagar lentamente, tudo apenas sumiu, e ele também gostaria de ter sumido.

Quando recobrou os sentidos, Davi se encontrou em um quarto branco, não parecia um quarto de hospital, mas tudo era branco e isso não devia ser bom sinal. Davi tentou se levantar e rápido, apenas para cair de volta na cama, com as pernas tremulantes e uma dor aguda na nuca.

Minutos agonizantes passaram, quando dois homens entraram no quarto, Davi teria retesado todos os músculos se eles não teimassem em não obedecê-lo. Um dos homens era um senhor já de idade, trajando suspensórios e uma gravata borboleta vermelha, os óculos escuros não permitiam ver seus olhos, então Davi deduziu que o velho era cego. O outro era mais novo, não devia ter mais de quarenta anos, era alto, de porte atlético, o rosto era forte, mas a feição era simpática, o sorriso era afável, como vinha vestido um janelo e estetoscópio, Davi deduziu que era um médico.

— Onde eu estou? – Davi perguntou com voz vacilante.

— Em uma clínica particular. – O médico respondeu. – Eu sou o médico residente, pode me chamar de Salomão.

— Eu sou o Fausto mesmo. – O homem mais velho falou. Apesar da idade, a voz era jovem, forte e alegre. – Como vai, meu caro?

Como Davi olhou confuso para os dois, sem dar resposta, Salomão pegou uma ficha e explicou a situação para o rapaz mais novo:

— O senhor Fausto te encontrou caído na rua e ligou para nós, uma ambulância te buscou, nós fizemos alguns exames e checamos sua identidade. – Salomão disse, a voz cândida e olhos fixos em Davi. – Devido à sua situação, nós vamos te manter alguns dias em observação.

Até ali Davi havia entendido, de certa forma. Mas quando ele pensou o que ele faria quando saísse do hospital, Davi se lembrou que ele não tinha para onde voltar, e começou a tremer.

O médico o entregou um copo de água e algum remédio, que Davi tomou sem hesitar, e um minuto depois ele já estava sonolento. Ele ouviu Salomão dizer que um enfermeiro ficaria responsável por ele, mas a voz chegou como se Davi estivesse submergido num rio, então ele apagou e dormiu pelo resto do dia.

Davi não percebeu quantos dias se passaram. Todos os dias um enfermeiro, Damasceno, vinha, fazia algumas perguntas e o entregava algum remédio. Salomão não vinha todos os dias. Perdendo a noção dos dias, a ideia de voltar para casa era cada vez menos frequente, até Davi não pensar mais nisso.

Outros pensamentos passaram a assombrar Davi. Sua comunidade em chamas, cheiro de fumaça, gritos, a mãe dele só mais um corpo na contagem. Davi não estava lá, mas os sonhos pareciam cada vez mais reais, e alguns dias ele acordava gritando. Depois disso, umas ideias estranhas circundavam a mente enevoada de Davi, alguma coisa sobre vingança, e um grande plano, e mudar o mundo.

Quando deu por si, Davi estava sentado em um terraço, conversando animadamente com Salomão, como se eles fossem amigos há muitos anos. Salomão explicava conceitos sobre evolução e como seria possível expandir a capacidade dos poderes para um novo patamar. Davi ouvia fascinado. Os olhos de Salomão sempre brilhando, um olho cor de rubi, outro dourado.

— Qual o seu poder? – Davi perguntou, algo que ele não tinha prestado atenção até o momento.

— Eu posso ver o futuro. – Salomão disse, parecendo um pouco envergonhado. – Mas eu só posso ver o futuro das outras pessoas, e apenas se eu olhar nos olhos delas.

— É por isso que você é médico! – Davi concluiu. – Deve ser muito útil, dá pra salvar muita gente com o seu poder.

— Sim, era assim que eu pensava também.

Ambos ficaram calados. O que era coisa rara. Quando outro pensamento atingiu Davi. Qual é o meu poder? Davi então sentiu uma pontada na nuca, e o pensamento esvaneceu.

Davi não sabia quantos dias se passaram. Ele só sabia que ele estava no hospital. E que Salomão era seu amigo. O enfermeiro ainda vinha todos os dias fazer check-ups. Salomão também vinha, para busca-lo e leva-lo para o jardim, ou para o terraço, onde eles passaram horas conversando.

Salomão um dia contou a Davi sobre um projeto chamado Cerberus. Explicou à Davi sobre os grilhões do Novo Governo e como isso afetava os Turras.

— Quer dizer... – Davi estava pálido. – Que eles fizeram de propósito? Como eles puderam! Por que matar tanta gente?

Davi não podia acreditar no que Salomão o havia contado, mas fazia sentido, com a voz de Salomão ecoando em sua mente, Davi foi entendendo cada vez mais como Cerberus poderia funcionar. Eles poderiam criar um mundo novo, onde todo mundo teria uma habilidade ou poder.

Sem perceber, Davi concordava com tudo o que Salomão falava, e cada vez mais Davi se perdia em quem ele era, ou quem ele deveria ser.

Davi não tinha mais pesadelos. Agora seus sonhos eram preenchidos por uma sala de espelhos. Nos espelhos apareciam lembranças, e, toda vez que o rapaz chegava perto, os espelhos estouravam em cacos. Em seus sonhos Davi sempre tentava com todas as forças juntar os cacos e montar as lembranças, mas todo sonho ele desistia um pouco, até ele não tentar mais, e tudo o que existia no espaço branco de sua memória eram cacos.

Salomão então deu sua última instrução à Davi.

Davi acordou de um sonho estranho. Em seu quarto, no dormitório da Setemptrionalem, o rapaz permaneceu zonzo, sua última lembrança era...

— Qual era mesmo?

— Deveria ser o que você viu na última aula né, Davi?

— Isso não Lucas, eu lembro disso, eu falo de antes.

— Antes você também estava na aula, ora essa, o que te aconteceu omi?

— Você não serve para nada, ein? Antes de eu entrar para a Setemptrionalem...

— Ah, eu sei o que está acontecendo!

— O que?

— É porque você está ficando velho. – A voz gargalhou em sua cabeça.

— Ah, é. Vinte anos. –

Mas Davi não se lembrava dos dois últimos anos. Sua ultima lembrança era... uma tiara de flores do mato, e o rosto de seu melhor amigo. 

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