Capítulos (2 de 7) 12 Jun, 2023

2. O Medroso

? Carlinhos! ? chamaram e bateram palma três vezes. Lucas coçou a cabeça, sugerindo que talvez ele não estivesse em casa. Ao seu lado, a determinada loirinha de macacão azul encheu os pulmões e berrou:

 ? OH CARLINHOOOS!

Aquela voz aguda era inconfundível. Alguns vizinhos já reclamavam do barulho perturbando sua tarde de descanso quando Carlos deixou o Atari e finalmente olhou pela janela do 3° andar. Parte da turma o aguardava no térreo. A impaciente Lili chamava levando as duas mãos ao rosto, com um pé apoiado no skate rosa enquanto Lucas segurava sua bicicleta, acenando para o amigo. Carlinhos desceu as escadas apressadamente, levando consigo alguns quadrinhos numa sacola e uma lupa. Vestia uma bermuda velha e uma camisa do Flamengo que pertencera a seu irmão maior, antes deste esticar na adolescência.
Pouco depois, Bolinha juntou-se a eles, mastigando salgadinhos de cebola, com o pacote em mão, já obrigatoriamente dividindo com o grupo. Carlinhos gritou de medo e todos caíram na risada quando Diogo veio por trás do amigo montando numa bicicleta, dando-lhe um susto com uma máscara do Jason. Peralta como era, propôs um desafio naquela tarde: Brincar no cemitério. O ruivo insinuou que era mais corajoso que todos. Lucas não titubeou diante dele e logo disse:  ? Você só sabe falar, vai é mijar nas calças quando ver o velho Epaminondas.

? O co-coveiro? Vocês não tão falando sério né? ? Carlinhos perguntou, já preocupado.

? Ah Carlinhos, deixa de ser medroso vai. ? A menina deu uma leve cotovelada no moreno.

? E quando é que a gente vai comer hein? ? Indagou Bolinha, mirando na bolsa de lanches da Lili, sob os olhos verdes e fuzilantes da mesma.

? Tu acabou de comer um salgadinho. ? lembrou Carlinhos.

? E eu tenho culpa? Dividi com vocês ué. ? replicou o gordinho pouco antes de Diogo declarar com os braços cruzados:  ? Eu é que não tenho medo daquele velho banguelo. Cara feia pra mim é fome!

? Então você tá desnutrido... ? provocou Lucas arqueando uma sobrancelha com um sorriso zombeteiro, enquanto Diogo já fechava os punhos para iniciar a briga.

? Parem com isso seus bobões! ? interrompeu Lili, se colocando na frente dos dois. Propôs seguinte: ? Viemos brincar, não pra ficar brigando feito idiotas. O que acham de um pique esconde no cemitério? O vencedor fica com o pão de queijo da minha mãe. ? Neste momento Bolinha já olhou a brincadeira com mais interesse. Lucas e Diogo se entreolharam em desafio, e Carlinhos levou uma mão a testa.

? Ai meu Deus, lá vem...

O skate rosa de Lili logo tomava as ruas e seus cabelos dourados esvoaçando ao vento eram acompanhados de um sorriso eufórico. Logo atrás vinham os meninos com as bikes, Diogo numa preta com Bolinha subindo no bagageiro e Lucas com Carlinhos.

? Para de me agarrar Bolinha, segura na bike!


Pedaladas e algumas manobras depois...seguiram pela principal até o outro lado do bairro. Lá estava o Cemitério das Boas Almas, silencioso e com algumas árvores sinistras já a vista. O muro era baixinho, pulariam fácil e logo estariam em mãos com os frutos dos jambeiros e mangueiras sob o olhar das lápides antigas e jazigos sem manutenção. Bolinha, poupando-se do esforço de pular o muro, passou pelo portão enferrujado que estava entre aberto. Era um lugar estranho. Quieto, triste e ao mesmo tempo com alguma beleza que não saberiam dizer. Carlinhos sentiu um arrepio na espinha e benzeu-se antes de entrar. Naquela tarde de agosto, eles sequer podiam imaginar o que os aguardava naquele lugar onde os mortos repousam.

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