Pegou impulso e preparou os pés. Ela subiu com o skate, pairando no ar acima do banquinho de concreto, completando o ollie quando pulou o obstáculo e seguiu no chão até o esconderijo atrás da lápide. Intrépida, Lili rapidamente deixou os meninos pra trás, e a essa altura Diogo já teria começado a procurá-los. Sentou-se sorridente no gramado, mas ao verificar a bolsa de lanches, contou os cachorros quentes embalados em papel alumínio, fez a matemática e viu que faltava um. Praguejou baixinho, pois com certeza o peste do seu irmão mais velho havia metido a mão na mochila antes que ela saísse de casa.
Lili e Fred viviam brigando como cão e gato, embora ele sempre levasse a pior quando a irmã o delatasse para a mãe, que metia a mãozada sem ressalvas. Antigamente a psicologia infantil vinha alada com o cinto, a sandália ou uma toalha molhada. Seu irmão tinha 17 e se tinha uma coisa que detestava era ficar de babá com a irmã de 12. No entanto, havia um único lugar de trégua entre os dois, onde podiam fazer o que quisessem e todo mundo saia feliz. O fliperama. Foi lá que ela conheceu os meninos nas férias de 95, antes das aulas começarem.
A princípio não foi nada muito amistoso, afinal a loirinha fazia o seu nome de usuário subir em vários jogos, desafiando os recordes dos antigos campeões. “SHE-RA” logo tornou-se um nome a ser temido no Mortal Kombat, King of Fighters, Metal Slug e até no Pac-Man. Mesmo nova na cidade, a garota não se intimidava em disputar com os jogadores já estabelecidos, pontuando scores atrás de scores numa campanha avassaladora. Girava o boné diante dos arcades e encarava qualquer um. Fosse os que iam apertando todos os botões, os que experientes com as malícias dos combos, ou mesmo aqueles que usavam os personagens mais apelões... Não tinha rival certo que desse conta dela. Com a frustração da derrota, Lucas, Carlinhos, Diogo e Bolinha, renderam-se a nova campeã. Ao som de Beat It do Michael Jackson e depois de apertada vitória contra o Subzero do Lucas, o fliper coroava sua nova rainha que erguia os punhos e sorria de orgulho. Lili, a dona dos combos perfeitos, a loirinha do skate, a garota mais maneira da rua 13.
? TOMA ESSA! GET OVER HERE!
Apesar dos atritos e provocações, os cinco acabaram indo tomar uma coca e comer um dogão na esquina, e desde então a turma começou a andar junto pra cima e pra baixo naquela cidadezinha. Todo mundo gostava da Lili, até mesmo as meninas que torciam o nariz pra ela na escola admitiam que tinham inveja de toda aquela personalidade que ela tinha. Podia ser um doce com os amigos e nenhum um pouco delicada com os desafetos. Ela também batia valendo nas brigas, não levava desaforo pra casa. O grupo fazia valer o “um por todos e todos por um", e a loirinha ousada aos poucos foi de rival para se tornar o coração daquela turma de perdedores.
Já haviam se passado quase 20 minutos desde que o pique esconde começara e tudo estava muito quieto. Levantou a cabeça cautelosamente acima do túmulo.
“E o Diogo dizendo que ia ganhar dessa vez. Mas peraí, e se essa for a estratégia dele pra pegar todo mundo? ” ? ponderou levando uma mão ao queixo, já pesando nas outras rotas para chegar até a mangueira e ganhar o jogo.
? LILI!! ? Bolinha berrou procurando por ela, tirando-a dos devaneios. Talvez ele já tivesse sido pego e estava ajudando o Diogo a alcançar os outros. “Como se eu fosse cair nessa...”
? Menina, cadê tu pelo amor de Deus?! Aparece por favor! ? suplicou Carlinhos. Ainda abaixada, retrucou para si mesma: “Esses mal perdedores acham mesmo que...”
? É sério Lisandra! ? Lucas também a interrompeu ao advertir com seu nome de verdade. Então ela percebeu. Algo deu errado, muito errado. O menino parecia realmente assustado com algo, e então finalmente revelou, pouco depois dela se levantar de seu esconderijo com os olhos arregalados ao ouvir:
? O Diogo, ele... ele sumiu!