Capítulos (1 de 12) 05 Apr, 2019

Capítulo 9: Área comercial

Um novo dia surgiu, o sol tentava incessantemente lançar sua luz através de nuvens e da poluição que se estendiam pela cidade. Carlos acordou, após se espreguiçar, abriu as cortinas da janela do quarto. Mesmo com todo aquele cinza, a cidade mantinha uma beleza ao se mesclar com a luminosidade do sol. Ele ficou um tempo olhando pela janela, admirando os clarões que formavam imensas e estranhas sombras pela rua.

Toda a contemplação de um novo dia estava indo bem, até Carlos arregalar os olhos, e lembrar-se de alguma coisa. Lançou um "Droga" em um tom de voz estranho e baixo. Esfregou a testa e limpou os olhos, lançando um pequeno suspiro de descontentamento. Olhou para o próprio corpo em busca de algo diferente, por sorte notou que tudo ainda estava lá, até seus machucados. Ele se recuperou um pouco, a forte dor do dia anterior havia se transformado em um pequeno desconforto, isso já era suficiente para ele, ao menos poderia andar sem o ranger e dor forte em seus ossos, embora ainda estivesse um pouco dolorido.

Carlos andou lentamente até a porta, a abriu devagar, mas ela rangeu fazendo um barulho incômodo. Colocou a cabeça para fora do quarto, olhou para os dois lados no corredor; não avistou ninguém, então saiu rapidamente. Andou até chegar na sala. Um homem estava sentando no sofá, parecia estar esperando alguém. Logo notou que era Kelvin que, ao notar sua aproximação, logo o cumprimentou.

— Olá, bom dia. — O relojoeiro parecia estar alegre. Apontou para o sofá em sua frente. — Sente-se aí, Serena está preparando um café.

Carlos o olhou com desdém, não sabia o porquê de aquela pessoa estar tão alegre e despreocupada, mesmo após tudo o que aconteceu. O Crescente se sentou, encarando o rapaz, que logo voltou a falar.

— Conseguiu dormir bem? — perguntou ele, despreocupadamente.

Carlos se irritou com aquela pergunta, cerrou os dentes e ajeitou os óculos.

— Não converse tão casualmente comigo, depois do que fez.

— Calma, calma. — Kelvin balançou as mãos em um gesto de paz. — Só estou tentando ser gentil.

Carlos suspirou, parecia que aquele homem era idiota o suficiente para acreditar que, mesmo após ter feito tudo aquilo, poderia conversar naturalmente com outra pessoa. "Não é muito diferente das pessoas da FMU", pensou. Mas não deixou de pensar que no caso de Kelvin era por pura inocência, o que tornava tudo ainda mais estranho, dado o porte físico dele.

— Certo, deixa para lá. — Carlos se encostou no sofá e mudou de assunto. – Tem algo que eu quero perguntar.

— O que é? — Kelvin se arqueou e apoiou os braços na perna.

— Onde fica a área comercial desta cidade?

— Fica a oeste daqui. — Kelvin apontou com o indicador para uma direção. — Mas se quiser fazer compras, existem vendedores aqui por perto.

— Não preciso fazer compras, apenas... preciso ir até lá — disse Carlos com uma expressão de incerteza.

— Bom, posso te levar até lá.

— E por que raios eu te seguiria de novo a algum lugar?

— Não se preocupe, de qualquer jeito você já fará o que pedimos, não tem porque enganá-lo de novo. E se você precisa ir até a área comercial, seria muito mais vantajoso você não se perder, para não atrasar o seu trabalho.

Carlos arqueou as sobrancelhas, ficou impressionado por Kelvin conseguir manter aquele nível de raciocínio. Mesmo parecendo meio lerdo, tinha um bom argumento. Decidiu aceitar, ficaria mais atento com o que poderia acontecer, e seria muito melhor do que perder preciosas horas tentando achar o local.

— Tudo bem — Carlos revirou os olhos. —Infelizmente, você está certo.

— Mas você precisa realmente ir lá agora? Já é... — Kelvin foi interrompido pelo badalar de um relógio de pêndulo na parede — meio dia e quinze.

Carlos olhou para o relógio, tentou lembrar do dia de ontem, e que horas eram quando tomou as toxinas. Lembrou vagamente de ter olhado o relógio que ficava na clínica; era por volta de sete horas. Não sabia exatamente o horário, mas fez um cálculo rápido, estimando ter no máximo 79 horas. — "Cacete, eu perdi quase um dia" — pensou, enquanto coçava a cabeça com nervosismo. Não sabia como funcionava a toxina, se faria efeito em exatos 4 dias, se seria depois ou antes, não entendia muito sobre medicina. Tudo o que pôde fazer foi levar as 79 horas em consideração. Apesar de ter dormido muito, isso o ajudou a se recuperar um pouco, não foi uma perda de tempo total.

— Acho que fica mais fácil invadir uma casa de noite — disse Carlos dando de ombros — teria menos pessoas na rua, além do mais, eu poderia me recuperar mais até lá.

— Se está dizendo...

Nesse momento Serena entrou na sala interrompendo Kelvin. Trazia consigo uma chaleira de café; três xícaras e um pote de açúcar em uma bandeja. Colocou as coisas na mesa e sentou-se no sofá.

— Você vai invadir uma mansão — corrigiu ela enquanto colocava o café em uma xícara, — mas seu raciocínio está certo, é muito melhor fazer isso de noite para não chamar a atenção.

— Mas não seria uma perda de tempo? — questionou Kelvin.

— Como ele gerencia o tempo, é com ele. — "Sirva-se também" disse Serena, Carlos ficou desconfiado, mas ao ver a médica tomando um gole de café, decidiu se servir. — Não é pertinente se meter nisso.

— Consigo terminar a tempo... — Carlos tomou um gole de café, virou os olhos, nem ele mesmo tinha certeza. — Eu acho.

— Pelo menos você pode ser o primeiro a conseguir. — Kelvin despejou o café na xícara. Deu uma risada contagiante enquanto colocava açúcar no café.

Carlos apenas ignorou aquele comentário importuno, nem ao menos riu. Decidiu mudar de assunto e tirar dúvidas que poderiam ser úteis.

— Tenho uma dúvida. — Ele tomou novamente um gole de café; já estava satisfeito. Colocou a xícara na mesa. — Você disse que injetou uma toxina no meu corpo através daquele comprimido, mas não sinto nada. Não era para estar com dores, ou algo parecido?

— As bactérias injetadas no seu corpo são semelhantes a toxina botulínica — respondeu ela. Colocou a xícara na mesa, puxou um cigarro do maço em seu bolso, cruzou as pernas e acendeu ele, exalando uma intensa fumaça. — Não vou entrar em detalhes sobre qual toxina é, afinal, não quero que você procure ajuda externa para resolver seu problema.

— Sim, eu já imaginava isso.

— Enfim, o efeito dessa toxina tem retardo, ela pode demorar alguns dias para fazer efeito, isso se deve ao fato de os anticorpos tentarem inibir a bactéria. Após uma intensa dor, seu organismo será paralisado, causando a morte.

— E o efeito é realmente desencadeado depois de 4 dias? — Era isso o que Carlos mais queria saber. Arqueou o corpo se aproximando mais da médica.

— Quem sabe? — Ela deu um pequeno sorriso, queria dar a menor quantidade de informações possíveis, causando mais dúvidas nele. Isso faria com que o rapaz parasse de fazer perguntas, à medida que ele ficasse mais desesperado em completar o trabalho e receber a cura. — Talvez dure mais, ou menos, depende da reação do seu corpo.

Carlos ficou irritado, sabia que se continuasse perguntando teria mais dúvidas. Decidiu encerrar a conversa. Levantou-se e encarou Serena com um olhar penetrante, a estava xingando no pensamento, seu olhar fez com que ela soubesse disso.

— Não tenho mais perguntas. — Se virou e começou a caminhar em direção a porta da frente. Direcionou a fala para Kelvin. — Você pode me levar lá, agora?

Kelvin terminou de tomar o café, deu um gole profundo acabando com o que restava. Colocou a xícara na mesa e agradeceu a Serena. Levantou-se e seguiu Carlos. A médica relaxou e esticou um braço no encosto do sofá, enquanto fumava o cigarro, ela ficou olhando os dois irem embora.

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Durante o trajeto até a área comercial, os dois não conversaram muito. Kelvin fez alguns comentários sobre a cidade ou sobre assuntos aleatórios; Carlos apenas respondia com palavras simples, como "sim", "entendi", e coisas do tipo. Notou algumas vezes que o relojoeiro possuía um olhar de curiosidade no rosto, mas em nenhum momento fazia perguntas. Parecia respeitar o fato de que o Crescente não se sentia confortável em estar conversando com um inimigo, sendo assim, resolveu apenas falar sobre outras coisas que não o envolvessem.

A área comercial de Waft ficava bem longe. Demoraram cerca de duas horas para chegar até lá. O caminho foi tranquilo, Carlos não encontrou nem um membro da FMU — não um membro forte e que tinha conhecimento sobre ele, pelo menos.

O lugar causou uma sensação estranha em Carlos. Era algo que nunca havia visto; um local bem movimentado e caótico, assim como sua mestra havia dito. As pessoas andavam de um lado para o outro procurando barracas para fazerem compras. Alguns vendedores gritavam para anunciarem suas mercadorias enquanto os fregueses respondiam com olhares de surpresa ao ouvirem alguns preços. Tudo acontecia tão caoticamente, mas ao mesmo tempo tudo possuía uma harmonia que fazia com que as coisas dessem certo. Apesar de isso ter causado um desconforto em Carlos, não deixou de se impressionar.

Kelvin não deixou de notar a expressão do rapaz. Nunca viu alguém ter ficado impressionado com esse caos. Imaginou que Carlos poderia ter vindo de uma área mais rural e calma, desconecta do resto do mundo. Isso fazia com que ficasse mais curiosidades sobre ele.

Ambos abriram caminho no meio da multidão, que andava esbarrando uns nos outros cheios de sacolas de compras. O cheiro do lugar era variado. Muitas coisas se misturavam ao mesmo tempo, desde frutas saborosas com aromas adocicados até peixes fedorentos, que alastravam no ar seu perfume salgado; uma verdadeira feira com produtos frescos e saborosos. Sempre que Carlos via uma barraca a olhava, prestava atenção no vendedor atendendo os fregueses, colocando os produtos em sacos ou simplesmente vendendo avulsamente.

Mesmo que o ar da cidade fosse morto, na área comercial as pessoas eram mais animadas e frenéticas, o que era bem diferente do que Carlos havia visto antes. A parte mais pobre e a mais rica se misturavam. Embora ainda houvessem o desprezo da classe mais alta para a mais baixa, tudo era deixado de lado por um breve momento por conta do comércio.

— Nem parece a mesma cidade — comentou Carlos alto o suficiente para ser ouvido em meio àquela confusão.

— Não se engane. — Kelvin olhava para os lados enquanto tentava desviar das pessoas. — Isso é apenas uma aparência dessa área comercial. Como aqui é o ponto onde muitos comerciantes tiram seu sustento e muitas pessoas adquirem os produtos, eles se toleram.

— Entendo o que quer dizer, ainda assim é bem estranho. — Carlos olhava ao redor, via as diferentes roupas das pessoas, notou que a diversidade de tipos daquele lugar era enorme.

— Apenas fique atento, é bem fácil ser roubado nesse lugar. — Kelvin olhou com curiosidade para Carlos, pelo menos aquilo ele precisava perguntar. — Então, o que quer nesse lugar?

— Não sei — ele respondeu sinceramente.

— Como assim não sabe? – O relojoeiro o olhou com insatisfação, achou que estava brincando.

— É o que você ouviu, estou aqui sem saber o porquê.

— Certo, se não quer dizer o que vai fazer, tudo bem.

Carlos não ligou para o comentário de Kelvin, para ele não importava se o relojoeiro acreditasse ou não nele. Só o que o preocupava era saber o porquê de estar ali. Alessandra sempre falava algo para manipular o caminho das pessoas. Ela não obrigava ninguém a fazer nada, mas ao dizer algo que fosse incógnito, fazia com que alguém ficasse curioso o suficiente para seguir o que ela dizia. Afinal, sua habilidade era bem confiável.

É claro que ela não disse para o rapaz ir até a área comercial de Waft para comprar frutas. Naquele lugar existiam várias lojas que ficavam aos redores do pátio com as barracas. Apenas restava a ele pensar no que poderia ser.

Carlos ficou olhando ao seu redor, analisava bem cada parte do lugar, tentava achar algo escondido que poderia ter relação com a mensagem dela. Enquanto isso, Kelvin aproveitou para comprar algumas coisas.

Ele estava maquinando as possibilidades em sua mente. Aquela mensagem especificamente o dizia para vir até esse lugar, não existia mais nada nela. Se fosse algo mais específico, ela diria para ele como um complemento. Com isso, pensou que só poderia ser algo óbvio.

Enquanto pensava no que poderia ser, se distraiu com um ocorrido. Sorrateiramente algumas crianças roubavam a carteira de algumas pessoas distraídas com as compras. Com todo aquele caos, isso era natural ocorrer. Até existiam alguns guardas, mas com toda a multidão, era difícil aquele lugar ser vigiado por completo. O Crescente já ficou mais atento ao ver aquela cena.

Voltou a atenção ao lugar. Olhou a redor — dessa vez com as mãos nos bolsos do casaco — olhou as placas das lojas. Existiam vários prédios com conteúdo diverso, desde loja de antiguidades até loja de sabão. Mesmo olhando bastante, a única coisa que chamou sua atenção foi uma livraria antiga. O que desejava eram informações; uma livraria era a coisa mais óbvia lá. Resolveu tentar, caso não fosse o que procurava, iria em outro lugar.

Nesse momento, Kelvin estava barganhando com um vendedor de maçãs. A discussão estava intensa com os dois fazendo trocas de preços, o vendedor era firme, mas o relojoeiro parecia ter experiência com esse tipo de coisa; não parava até abaixar o preço o máximo possível. Carlos o informou que iria até aquela livraria. Kelvin apenas fez um sinal de positivo para ele.

O Crescente agora estava decidido a conseguir informações naquela livraria, mesmo que aquilo fosse um entendimento errado por parte dele e o local que sua mestra disse não fosse aquele. 

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